segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Mil dólares como rendimento familiar mínimo (actualizado)

[Ponto prévio: Parece provocação, mas não é. Provocação são alguns salários que andam por aí.] No debate deste domingo na TPA em que abordámos o conteúdo da mensagem de Ano Novo do Presidente da República, defendi que começa a já não fazer muito sentido em Angola pagar salários inferiores a mil dólares. O salário tem de facto um sentido, particularmente quando estamos a falar de assalariados que já têm responsabilidades familiares. Primeiro destina-se a fazer face com algum êxito às despesas correntes da família com a habitação, alimentação, saúde, educação, entertenimento, etc., etc.. Depois ainda deverá sobrar algum para se fazer a sempre recomendável poupança a pensar no futuro e nos imprevistos. Em Angola uma família com seis elementos, pai, mãe e quatro filhos, só pode ter pesadelos diários actualmente, se não conseguir reunir um mínimo de 100 mil kwanzas/mês (=USD1000). É claramente o que está a acontecer com a maior parte das nossas famílias pobres. Um amigo meu que muito prezo e considero do ponto de vista intelectual, ligou-me logo de seguida chamando-me a atenção para a impossibilidade, nas actuais condições do país no seu conjunto, de se subir a fasquia salarial para aquele patamar mínimo. Embora estando de acordo no essencial com a sua argumentação que já não constitui bem uma novidade para os meus modestos conhecimentos da ciência económica, fiz-lhe ver que as pessoas em Angola têm de começar a abordar com os outros olhos de (ver para além da doutrina) esta problemática. De outra forma vamos continuar a ter o país profundamente injusto e desigual que herdamos da colonização portuguesa, passados que são já mais de 35 anos desde que os angolanos assumiram o seu próprio destino, como país independente e soberano. Sem descurar a equação que relaciona o salário com a produção e a produtividade, em Angola temos uma situação atípica que caracteriza a distribuição do rendimento nacional pois grande parte do PIB é gerado no sector público e consumido pelos agentes deste mesmo sector através dos mais diferentes esquemas que limitam o acesso ao bolo a um número muito reduzido de angolanos todos eles bem colocados no topo da pirâmide. Depois desta primeira repartição o que sobra são verdadeiras migalhas em comparação com o regabofe. Por outras palavras estou convencido que é urgente que tudo seja feito no limite do nosso sistema atípico para que a transferência de recursos se efective numa base mais abrangente e menos injusta. O salário é a via mais sustentável de fazermos uma melhor distribuição do rendimento nacional de que tanto se fala, mas em relação à qual pouco ou nada se faz, para além das promessas. Mas há outras vias consideradas menos inflacionárias que já foram catalogadas. Em 2011 tudo farei para colocar esta questão no centro da agenda nacional, lembrando-me sempre do que disse a respeito, há muito anos, um distinto e próspero cavalheiro alemão chamado Robert Bosch: "Eu não pago salários altos porque tenho muito dinheiro, eu tenho muito dinheiro porque sempre paguei salários altos". Será mais uma pescadinha com o rabo na boca? Mais recentemente um outro cavalheiro, desta feita britânico, o Prof Paul Colliers, forneceu a título gratuito uns preciosos conselhos ao Governo angolano para gerir melhor, pensando primeiro no bem estar da sua população, os biliões da renda petrolífera. (cont)