[O semanário "O País" endereçou-me no final do ano passado um questionário com três tópicos para me pronunciar sobre a nova Constituição, a Lei da Probidade Pública e a revisão da Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado.
Como sempre tenho feito, passo a reproduzir neste espaço as minhas opiniões publicadas por aquele jornal no derradeiro dia do mês de Dezembro, começando pelas considerações que teci sobre a Constituição, que foi de facto e de jure o momento mais importante da crónica política do ano passado]
Por culpa quer do partido no poder quer da oposição, antes de mais penso que o país perdeu uma grande oportunidade de se reencontrar neste grande momento histórico que foi a proclamação da primeira constituição aprovada em Angola com a necessária e recomendável legitimidade democrática que se exige de um tal exercício.
O facto da UNITA, o maior partido da oposição, ter abandonado a Assembleia Nacional na hora da votação do texto fala bem (mal) de mais este profundo desentendimento que acabou por manchar mais uma etapa de viragem da nossa história, para não variar.
É bom recordar que a anterior constituição, que esteve em vigor entre Setembro de 1992 e Fevereiro de 2010, tinha sido aprovada pela então monopartidária Assembleia do Povo, num dos seus derradeiros actos legislativos.
O texto final resultou de uma consulta multipartidária, fundamentalmente, com a UNITA, quando os dois “irmãos desavindos” ensaiavam os primeiros passos trocados de um bailado mal ensaiado em Bicesse destinado a colocar um ponto final no fratricídio.
Na altura o Galo Negro não estava muito preocupado com alguns “pormenores”, pois Jonas Savimbi acreditava que a vitória eleitoral dificilmente lhe escaparia.
Mesmo assim, o texto anterior soube incorporar no seu corpo um cadeado democrático chamado artigo 159 que acabou por não resistir aos sucessivos ataques do MPLA, com os resultados que se conhecem.
A proclamação da Constituição foi de facto e de jure o momento mais importante que marcou o ano que chega ao fim, com consequências que ainda não são totalmente visíveis, pois sou daqueles que acha que o modelo de governação escolhido, onde se inclui o sistema eleitoral da sua legitimação, só será verdadeiramente testado na ausência do actual Presidente.
Só aí, teremos uma ideia definitiva em relação ao seu potencial, embora actualmente já perceba melhor que o atípico modelo foi estrategicamente desenhado a pensar nas duas situações, isto é, com JES e sem ele, com o propósito evidente do MPLA se manter no poder, sem grandes dificuldades em vencer os próximos pleitos eleitorais.
Claramente o modelo é um fato feito à medida da estratégia do MPLA com e sem JES.
Percebo agora que a colagem da eleição presidencial à eleição legislativa corresponde a este desígnio, pois na ausência do candidato JES, o que mais tarde ou mais cedo irá acontecer, sempre será muito mais fácil ao seu substituto ganhar a eleição colado ao MPLA, do que se concorresse sozinho em eleições separadas para a Presidência da República.
Como é evidente, este “modelo hiperpresidencialista”, para usar a adjectivação de Vital Moreira, do qual me demarco em absoluto, penalizou duramente os angolanos de uma forma geral, quer os eleitores, quer todos aqueles que, em nome da cidadania, se sentem no direito de concorrerem à mais alta magistratura do País.
Acho que a actual Constituição, com base nesta opção, retirou aos angolanos um direito fundamental como cidadãos, o que é de lamentar, embora nada esteja perdido, pois a revisão deste texto é uma possibilidade prevista na própria lei, que pode ocorrer dentro de cinco anos, a contar da data da sua promulgação.
Não vou aqui desenvolver mais esta partilha de responsabilidades por não termos tido um grande momento nacional com a proclamação da Constituição, mas estou convencido que a oposição, por mais que duvidemos da lisura do pleito eleitoral de Setembro de 2008, enganou-se redondamente ao pensar que conseguiria um resultado político favorável a uma discussão mais equilibrada da Constituição, como justificação para ter sabotado a primeira constituinte.
Na altura a oposição, caso não se retirasse da Comissão Constitucional, poderia ter tido um resultado cem vezes melhor do que aquele que obteve depois do desastre eleitoral de 2008.
O texto constitucional seria, sem dúvidas, muito mais equilibrado e o país no seu conjunto e na sua diversidade sairia a ganhar muito mais, pois seriam contempladas opções mais abrangentes e menos exclusivistas, a começar pelos próprios símbolos da nossa nacionalidade.