segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

As recordações do meu baú

Ao ler este domingo a evocativa (e algo perdulária) crónica de fecho desta semana que o Luís Fernando (LF) assina na revista Vida do semanário "OPaís", fiquei com a ligeira impressão que já me tinha cruzado com o seu autor há muito anos quando os dois trabalhávamos na Rádio Nacional de Angola. Após ter concluído a leitura do texto as minhas dúvidas aumentaram pois nas "surpresas da minha (dele) agenda", constavam muitos nomes conhecidos do passado e do presente, menos o meu. Se calhar, estava mesmo enganado.
Se calhar, não tinha havido no nosso passado qualquer cruzamento e muito menos algum tipo de relacionamento, que eu supunha ter havido, quando partilhávamos os mesmos ideais e alimentávamos as mesmas expectativas em relação a um futuro melhor para o país, um futuro sem dúvida menos autoritário e mais democrático, sem a presença na nossa paisagem de alguns figurões que nos atazanavam a vida e amordaçavam (ainda mais) o pouco jornalismo que se fazia na época.
O LF era um dos inimigos de estimação de um desses figurões, que curiosamente se mantém na sua agenda e ao que parece com uma nota muito positiva, pois, de acordo com a sua confissão, ainda sente saudades da sua voz.
Que estranho!
Como a memória (para além de ser curta) é uma das nossas companheiras intímas mais traiçoeiras, resolvi tirar a limpo as minhas dúvidas, pois sabia que tinha no meu baú dos papéis velhos um antídoto para tal.
Na sequência da consulta das cartas que trocámos, quando LF se encontrava a estudar em Cuba, rapidamente todas as minhas dúvidas desapareceram.
Tive de facto (e de jure) um relacionamento pessoal e profissional muito intenso e muito positivo com o cronista na década de 80.
A consanguinidade das nossas ideias chegava a ser incestuosa.
Voltei a ler a crónica e então percebi que ele próprio me tinha colocado fora da sua agenda (julgo saber porquê), deslocando-me para para algum cantinho menos nobre da sua casa, do tipo caixote do lixo, embora no outro dia me tenha telefonado por causa de um texto para o seu jornal.
De facto há já muito tempo que não recebia no meu "télélé" uma chamada do destacado periodista.
Contrariamente ao que aconteceu com a sua agenda, o LF vai continuar na minha como um dos jovens jornalistas mais brilhantes que já passou pela RNA e de quem tive o orgulho de ser amigo, colega, chefe e cúmplice.
Os tempos de facto mudaram e muito.
O país já não é o mesmo e nós começamos a envelhecer.
Uma coisa, contudo, para mim não vai mudar.
O presente da suas escolhas após o seu regresso de Havana, por mais que elas choquem com as minhas, nunca terá força suficiente para retirar do meu baú dos papéis velhos, as suas cartas entusiasmadas e autênticas, que conservo como um testemunho vivo dos tempos em que acreditávamos nas nossas ideias, sem necessitarmos de ajudas de custos, nem de sermos membros de algum comité de especialidade.
Kandandu.