1- Sem nunca ter tido qualquer (a mínima) simpatia por Nino Vieira (o primeiro golpista da Guiné-Bissau-1980) e sem me preocupar grandemente com os bastidores do crime, direi apenas que o que se passou nos últimos dias em África não pode deixar ninguém indiferente, deixando tudo o resto para a investigação, tanto a criminal como a jornalística.
Deposito, entretanto, muito mais confiança nos resultados do trabalho da Cândida Pinto da SIC do que na intervenção dos polícias locais, se é que ainda existe por lá alguém com este estatuto propriamente dito.
Aos olhos do mundo o continente negro voltou a viver os seus tempos mais sombrios, mais sinistros, mais horripilantes.
Depois de termos visto todo aquele sangue, à memória veio-nos imediatamente a história de Patrice Lumumba.
Preso, amarrado, espancado, selvaticamente torturado e morto, o cadáver do nacionalista congolês foi desfeito num tambor de ácido, para nunca mais se ouvir falar dele. Como se isso fosse possível.
Mobutu que o diga.
Com o brutal assassinato na passada segunda-feira (2/03) de Nino Vieira, na Guiné-Bissau, África regressou ao seu pior estilo, regressou aos trágicos acontecimentos que foram enchendo a crónica continental ao longo dos anos 60 e 70, com sucessivos banhos de sangue mais ou menos colectivos. O estilo em questão é o das catanadas.
Angola, como se sabe também não esteve ausente desta lancinante trajectória, tendo tido, aliás, uma importante e robusta participante estatística no capítulo da eliminação física dos adversários internos e externos com a realização de um dos maiores banhos de sangue de que há memória em África.
Com o banho de sangue com que o corpo de Nino Vieira foi abundantemente “lavado” dentro da sua própria casa e ao lado da sua família e após sofrimentos indescritíveis, África voltou a transmitir ao mundo a pior mensagem que se poderia fazer circular nesta altura.
África voltou a exportar o horror e a violência sem limites que em poucos minutos fizeram desaparecer do mapa tudo quanto era sinal mais ou menos positivo em matéria de estabilidade mínima para se poder pensar em desenvolvimento.
África é novamente a imagem do continente para evitar ou para esquecer.
O que se passou na Guiné-Bissau é de facto muito grave.
Depois de termos ouvido o “eterno” Zamora Induta, na maior das calmas, dizer que não houve nenhum golpe, ainda ficamos mais assustados, mais perturbados.
Meia dúzia de militares esfolam vivo o Presidente da República na sua própria casa e não houve golpe de estado?
Os mesmos militares desaparecem da circulação, ninguém os procura, ninguém sabe deles, poucos saberão quem são eles efectivamente e vem o Zamora Induta dizer que não há problemas por aí além, que está tudo controlado e que a constituição vai ser respeitada.
Não sei mesmo se haverá um golpe de estado maior do que este, que acaba de ter lugar na Guiné-Bissau.
Sinceramente, não consigo ver um golpe mais perfeito e mais sangrento com a agravante de ninguém saber agora quem vai ser o próximo a ser esfolado pelos militares, caso mais algum político se lembre de os incomodar.
De facto quando se retira da circulação o principal simbolo do estado que é o seu Presidente da República a golpes de catana, não pode haver mais dúvidas nenhumas em relação ao facto de ter havido um golpe de estado na Guiné-Bissau.
Que maior ameaça pode pesar sobre um regime democrático do que estar refém da violência e da impunidade dos militares?
Viver na Guiné-Bissau passa a ser a partir desta semana um risco ainda maior, para quem pensar que o país já é um estado democrático e de direito.
Esqueçam esta suposição.
A Guiné-Bissau é um buraco, é uma verdadeira armadilha montada pelos militares, ficando por saber em toda esta trama qual é o papel dos tais traficantes colombianos que andam por lá a pavonear-se e, pelos vistos, a influenciar a vida política do país de forma cada vez mais ostensiva com meia dúzia de tostões e uns tantos hamers.
A recente troca de acusações entre Nino e Tamaio com o tema do tráfico no meio da disputa entre os dois históricos defuntos, fala bem desta influencia e do seu impacto pernicioso na vida dos guineenses.
Depois de Luanda, a Guiné-Bissau já é mais um espaço geográfico do nosso planeta onde se pode aplicar o principio de Murphy segundo o qual nada está tão mau que não possa ficar pior.
O Manecas Costa, o único ídolo que tenho nesta altura na Guiné-Bissau, que me perdoe, mas para a sua Guiné (onde só estive uma vez na minha vida) não viajo nunca mais, nem com tudo pago, colete à prova de bala e demais garantias de segurança.
Só tenho pena é do Amílcar Cabral. Ele não merecia isso.
Felizmente que a sua outra pátria, Cabo-Verde, hoje virou mesmo jardim, como história de sucesso da democracia e da boa-governação em Africa.
Uma realidade que ultrapassou mesmo o sonho marxista de Cabral e do seu partido único, o PAIGC.
2- O Presidente do Sudão, um tal de Al Bachir, que anda para ali a mandar matar os nossos patrícios em Darfur (mas não só) foi, finalmente, “promovido” à categoria de arguido e mandado capturar pelo Tribunal Internacional.
Todos criticavam o califa de Karthoum, que, entretanto, se estava nas tintas para tudo e todos ao mesmo tempo que prosseguia implacável a sua caça ao homem com as suas selváticas milícias.
Com este mandado os seus colegas de poleiro que o criticavam dias antes por estar a patrocinar limpezas étnicas começaram, entretanto, a pensar melhor, talvez a pensar na sua própria situação, tendo chegado à rápida e óbvia conclusão que o pobre do Bachir não pode cair na alçada de um tribunal qualquer, porque os Presidentes em África estão acima da lei nacional e internacional.
Al Bachir é mais um cromo sangrento desta África violenta que nos decepciona profundamente e nos faz envergonhar todos os dias.
O mandado de captura que agora pesa sobre ele traduz bem os extremos a que se chega em África onde a impunidade dos poderosos faz deles verdadeiros deuses da morte nas nossas terras.
Devido ao seu petróleo, dificilmente Al Bachir será algum dia capturado, mas por si só este mandato de captura já é a melhor “condecoração” que lhe poderia ser oferecida depois de ter mandado cometer tantas atrocidades contra os seus nacionais.
E agora não me venham cá com tretas sobre soberanias nacionais.
Quando alguém passa o seu reinado a trucidar os seus conterrâneos, seja por que razão for, alguém tem que o mandar parar.
De outra forma os massacres vão continuar e as organizações internacionais não passarão de alegres clubes onde os diplomatas se vão divertir e gastar o dinheiro dos contribuintes discutindo e aprovando resoluções cheias de nada.