domingo, 15 de março de 2009

Directas versus indirectas ou a falta de sintonia entre os camaradas?

A segunda visita de estado (a primeira foi em 1987) que o Presidente José Eduardo dos Santos efectuou a Portugal em trinta anos de consulado, que se prepara para assinalar em Setembro próximo, foi marcada politicamente pelas próximas eleições presidenciais angolanas.
A perspectiva com que JES aflorou o tema desagradou profundamente vários círculos locais, ao mesmo tempo que evidenciou aparentes problemas de falta de sintonia política no seio do MPLA. Problemas deste tipo, note-se, já começam a ser recorrentes, numa altura em que alguns analistas cada vez mais falam da existência de uma "agenda pessoal de JES" que nem sempre está em consonância com a estratégia geral do partido no poder. É um cenário dificil de confirmar, mas há de facto alguns sinais que apontam nessa direcção, sobretudo quando em abordagem está o dossier da sua sucessão, que pelos vistos se mantém um tabú da vida política nacional. Não houve, entretanto, nenhuma novidade nas declarações feitas em terras portuguesas, já que o linkage estabelecido entre a convocação das próximas eleições presidenciais e a aprovação da nova constituição tem vindo a ser assumido por outras fontes afectas ao regime, depois do próprio JES ter dado o pontapé de saída nessa direcção. A novidade estará, talvez, no impacto mediático da declaração presidencial já que foi feita num país estrangeiro que nos é muito próximo, com toda a cobertura jornalística que as suas palavras tiveram dentro e fora de Angola. Importa referir que o mais recente destes pronunciamentos foi produzido pelo principal porta-voz do MPLA, Norberto dos Santos (Kwata-Kanawa), em declarações ao Novo Jornal (NJ), ao afirmar peremptório que as “presidenciais serão realizadas já com a nova constituição”. Depende por isso, acrescentou, “da velocidade com que ela ficar concluída”. Da parte do Presidente JES o que efectivamente houve desta vez em Lisboa, foi apenas uma reafirmação do que ele já havia dito em Luanda em Novembro do ano passado quando, pela primeira vez, condicionou claramente a realização das eleições presidenciais à aprovação de uma nova constituição. Dos Santos que falava na abertura de uma reunião do seu partido, introduziu igualmente pela primeira vez na agenda política nacional a possibilidade das eleições presidenciais virem a ser realizadas por via indirecta, fazendo recurso à existência de uma corrente defensora desta via, cuja origem, na ocasião não especificou, deixando o campo totalmente aberto às mais variadas conjecturas e especulações. Terá sido exactamente este, na avaliação convergente de vários analistas, o propósito do “balão de ensaio sobre as indirectas” engenhosamente lançado por JES diante dos membros do Comité Central do MPLA, fazendo tábua rasa da existência de um conjunto de princípios contidos na actual Lei Constitucional que impedem a sua revisão ou alteração para além dos limites constantes no seu artigo 159. Diante do crescendo de protestos e de reacções menos positivas que a ideia das indirectas causou junto dos mais diferentes círculos políticos e académicos, o MPLA sentiu-se forçado a esclarecer que não tinha nada a ver com a ideia das indirectas, tendo algumas das suas figuras de proa feito, neste âmbito, pronunciamentos bastante "mal-humorados". Na referida entrevista ao NJ e à semelhança do que já havia feito o SG do MPLA, Dino Matrosse, Kwata-Kanawa (KK) acusou pessoas “ como Abel Chivukuvuku e vários analistas políticos” de serem os responsáveis pela colagem do seu partido à ideia das indirectas.
Já se fizeram inclusivamente, apontou, “debates na Rádio Ecclésia em que as pessoas falam como se tivessem ouvido o MPLA ou o seu líder dizer que queriam seguir esse caminho”.
O porta-voz do MPLA esqueceu-se, possivelmente, de nomear o seu companheiro de partido, Marcolino Moco (ex-SG do MPLA e ex-PM), que também participou num desses debates, onde manifestou as mesmas preocupações em relação ao estranho relacionamento do partido no poder com as indirectas. Apesar de se ter esforçado por esclarecer que o MPLA defende a eleição do PR por “voto directo e universal”, sintomaticamente KK foi depois incapaz de confirmar se o ante-projecto constitucional da sua formação vai excluir do texto a opção pelas indirectas. “Não posso dizer agora se vai ou não. Apenas posso dizer que ainda não o elaborámos”- destacou KK. Em Lisboa o Presidente José Eduardo dos Santos voltou a falar das indirectas como uma possibilidade que se mantém no mesmo plano que as directas, estando tudo dependente do modelo que a nova constituição vier a adoptar. É ponto assente, por razões demasiado óbvias, que o modelo será desenhado com o lápis rubro-negro do MPLA de acordo com a sua estratégia política. Uma vez mais JES deixou em aberto o mesmo “espaço de manobra” que já havia endossado quando, o ano passado, pela primeira vez, introduziu o tema das indirectas no debate político nacional. De facto para quem diz, como afirmou KK, “que as indirectas não existem na cabeça do MPLA”, acusando todos quantos, alegadamente, estão a imputar ideia ao “Eme” de estarem a “fazer jogadas políticas”, é, no mínimo, difícil de entender que JES não tenha aproveitado esta oportunidade na capital portuguesa para esclarecer de uma vez por todas qual é a posição do partido maioritário. "Se tudo correr normalmente, estamos em crer que dentro deste ano será aprovada a Constituição. Em função da modalidade escolhida - eleição por sufrágio directo ou indirecto, através do parlamento -, definiremos o calendário eleitoral para as eleições presidenciais", disse o Chefe de Estado angolano.
Para além disso, JES afirmou em Lisboa que a eleição não será feita na base da actual Constituição, mas com base num novo texto que está a ser definido por uma comissão parlamentar, e que será depois submetido a consulta pública, antes da aprovação.
As declarações de JES em Portugal não estão de facto em sintonia com os recentes pronunciamentos de Norberto dos Santos, pois era suposto que depois da “contra-ofensiva” mediática do MPLA não mais se ouvisse falar das indirectas como sendo uma possibilidade real, pelo menos no seio do maioritário. O MPLA, na opinião de alguns analistas, continua a pautar a sua conduta pela chamada “lógica da infalibilidade”, aceitando muito dificilmente dar a mão à palmatória, quando, por algum motivo, como soe dizer-se, “põe a pata na poça”, como parece ser agora o caso das indirectas e muito particularmente da alteração dos limites materiais da revisão constitucional. O MPLA, ainda segundo os mesmos analistas, quer sair sempre bem em todas as fotografias que tira, mesmo quando está contra a luz de algumas evidências que procura contornar. Sendo o primeiro a seguir a máxima segundo a qual em política a ingenuidade paga-se caro, o “partido dos camaradas” não admite depois que os seus adversários avaliem da mesma forma as suas movimentações/intenções.