segunda-feira, 2 de março de 2009
A crise é para todos: A Sonangol não pode continuar a agir como se fosse um outro estado
1-A Sonangol Holding, SH, (será que ainda tem o estatuto de EP?) para além de outros pergaminhos, também é conhecida por ser uma empresa que nunca apresentou em público as suas contas devidamente auditadas.
É pelo menos esta a informação que temos visto, com alguma frequência, aqui e acolá, sempre que alguém de dentro ou de fora faça uma abordagem mais em profundidade sobre o desempenho do sector petrolífero angolano.
Já é mesmo uma imagem de marca da SH não auditar as suas contas.
Em termos de prestação de contas, a Sonangol habituou-nos, uma vez por ano, por ocasião do seu aniversário e em conferência de imprensa, a umas “dicas” provisórias sobre os resultados globais da sua actividade.
Foi o que aconteceu uma vez mais este ano, por ocasião do 33º aniversário da holding, com o garboso Engenheiro Manuel Vicente rodeado por todo o seu “staff”, a debitar para a comunicação social os habituais milhões que agora já são biliões, graças aos quais o país se vai mantendo à superfície de uma navegação financeira que, entretanto, se complicou bastante depois de tudo quanto tem estado a acontecer à escala planetária em matéria de crise e de impactos.
É absolutamente normal fazerem-se conferências de imprensa, pelo que não há nada a apontar ao facto da Sonangol comunicar aos jornalistas os seus resultados dando assim a conhecer ao país a sua saúde ou a falta dela.
A ter em conta os últimos dados avançados pelo seu PCA, a Sonangol continua a respirar saúde q.b., e a alimentar o País com as necessárias receitas que o OGE tanto precisa para dar conta do seu recado nas várias frentes a que tem de acudir.
Estas contas são, entretanto, do ano passado, pelo que, ainda não reflectem a nova conjuntura económica internacional que tem estado a afectar particularmente o preço do petróleo, com todas as consequências que se adivinham para a redução dos biliões a que a Sonangol está habituada.
2-Como não estivémos na conferência de imprensa não temos uma ideia das perguntas que foram colocadas a Manuel Vicente e aos seus pares.
Se lá estivéssemos estado, certamente que lhe perguntaríamos pelas razões que estão na origem da Sonangol, também ter como imagem de marca, o facto de não apresentar em público as suas contas auditadas.
Antes de mais talvez fosse necessário explicar aos menos entendidos nestas lides o que é que significa auditar, para todos sabermos exactamente do que é que estamos a falar e de qual é a nossa grande preocupação em relação ao desempenho da Sonangol.
Na sequência de uma volta rápida pelo Wkipédia “descobrimos” que auditoria
“é um exame cuidadoso, sistemático e independente das actividades desenvolvidas em determinada empresa ou sector, cujo objectivo é averiguar se elas estão de acordo com as disposições planeadas e/ou estabelecidas previamente, se foram implementadas com eficácia e se estão adequadas (em conformidade) à consecução dos objectivos. As auditorias podem ser classificadas em externa e interna.
Os profissionais de auditoria de demonstrações financeiras são certificados e devem seguir rigorosas normas profissionais nos Estados Unidos e em diversos outros países. Entre as principais empresas de auditoria independente (e externa) estão: Deloitte, PwC, KPMG e Ernst & Young”.
De facto uma coisa é uma conversa com jornalistas, por mais acutilantes e incisivos que os profissionais possam ser na colocação das suas perguntas, a outra é a empresa apresentar ao auditor interno ou externo, toda a informação existente para que se possa aferir, com a necessária propriedade, se a sociedade está efectivamente a ser bem gerida.
Sabemos por exemplo, que por força da nossa própria lei as empresas públicas são obrigadas a apresentar ao Ministério das Finanças os elementos demonstrativos da sua situação financeira e patrimonial que permitam a elaboração da execução do Balanço do OGE.
3-Ao abrigo da lei angolana, a Sonangol deve encaminhar ao Ministério das Finanças, até ao final do dia 31 de Março de cada ano um Relatório de Contas integrado pelo relatório do Conselho de Administração, o balanço e demonstração de resultados e a proposta sobre a sua aplicação, a demonstração da origem e aplicação de fundos, o parecer do Conselho Fiscal.
Depois disto, a Inspecção Nacional de Finanças emite um parecer sobre os documentos apresentados e remete o mesmo a apreciação do Ministro das Finanças e do Ministro que superintende o sector de actividade.
Em concreto, a questão que colocaria ao PCA da Sonangol se tivesse ido a conferência de imprensa, seria saber se a sua empresa está efectivamente abrangida por este regime e se tem cumprido com o mesmo.
Depois disto e em função da sua resposta, perguntar-lhe-ia se era possível a opinião pública ter acesso as demonstrações previstas nas exigências da lei, particularmente aquela que tem a ver com a origem e a aplicação de fundos, por causa das movimentação da petrolífera angolana além fronteiras e para além das suas competências estatutárias.
Ao ouvir-se o Eng Manuel Vicente falar, fica-se com a impressão que de facto a Sonangol é um estado dentro de um outro estado, ficando por saber qual é o estado que tem mais poder.
Se o nosso Estado, se o Estado da Sonangol?
É que, pela lei, a Sonangol não pode de per si decidir o que é que vai fazer no próximo ano, sem antes o seu plano ser aprovado pelo Governo, que é o único proprietário da empresa.
Compete efectivamente ao Ministério das Finanças em regime de autorização prévia, autorizar a Sonangol a tomar decisões em matérias como aumento de capital e emissão de obrigações, convertíveis ou não em acções ou quaisquer outros títulos e valores mobiliários.
4-Por tudo isto e por muito mais é que achamos que a Sonangol, enquanto empresa pública, deveria ter a rédea um pouco mais curta.
Neste momento de profunda crise a afectar tudo e todos, custa-nos um bocado ouvir Manuel Vicente dizer que a Sonangol vai continuar a gastar recursos públicos no exterior como até aqui, com planos para incrementar ainda mais esta movimentação que é claramente perdulária para muitas apreciações.
Já ficou claro, que não há o mínimo de consenso em relação a estratégia que a Sonangol tem vindo a seguir com os tais investimentos na praça portuguesa.
Não seria mais ajuizado Manuel Vicente fazer primeiro as contas com o Governo das suas últimas compras, apresentar o seu programa de investimentos e só depois vir cá para fora dar-nos a conhecer como é que a Sonangol vai evoluir este ano?
Ao que parece e depois dos pronunciamentos feitos esta semana pelo seu PCA, a Sonangol vai continuar a comportar-se no exterior como se nada de grave tivesse acontecido, ignorando mesmo a brutal quebra verificada com as acções que comprou no BCP.
Não basta MV vir dizer-nos que a Sonangol não perdeu milhões e ponto final. Tem de prová-lo o que só será possível com uma auditoria independente às suas contas, que tarda em ser feita, se é que algum dia o será.
Como é evidente, não podemos estar de acordo com esta postura e o mínimo que exigiríamos da administração da Sonangol é que ela nos convencesse, no âmbito de um debate contraditório com especialistas e políticos, que o rumo que pretende continuar a seguir é aquele que realmente mais interessa ao país.
Atenção, tem de ser efectivamente um debate contraditório.
5-Esperemos que a próxima interpelação ao Governo já solicitada pela bancada parlamentar do MPLA, venha a traduzir-se num bom momento de forma política, frontalidade e transparência, para que este debate tenha lugar em nome da defesa do que é realmente o interesse público.
Neste momento de crise é possível mobilizar os angolanos independentemente das suas diferenças, desde que o Governo seja o primeiro a fazer prova de que está realmente de boa fé na reavaliação que pretende fazer da sua intervenção.
As vacas emagreceram.
É preciso que seja o Governo e os seus titulares a apertarem realmente o cinto, com a redução do gasto público que alimenta o seu exagerado (verdadeiramente pantagruélico) consumo privado, porque cá em baixo (na secção dos famélicos) já não é possível poupar mais.