terça-feira, 17 de março de 2009

A oração de sapiência de Pepetela

1-"A nossa megalomania nacional, verdadeiro traço de carácter, ou, segundo o vetusto Kardiner, um marcador da nossa personalidade de base, provém de julgarmos o país incomensuravelmente rico. Os colonizadores, nos anos sessenta e setenta do século passado, repetiram tantas vezes esta lenda, que ela passou a fazer parte do nosso código genético, por assim dizer, e agora é difícil voltar atrás e admitir o contrário, que somos de facto e por enquanto, apesar de algumas indubitáveis vitórias, um país miserável, incapaz de alimentar suficientemente os seus filhos, incapaz até agora de matar no ovo as diferentes epidemias que nos assolam, incapaz de avançar numa clara política de desenvolvimento sustentado."
(...)
2-"Mantida em relativo silêncio, a ganância no entanto pauta cada vez mais as nossas vidas. Há pessoas que são tão viciadas nela como outros são na heroína ou na liamba. Quanto mais riqueza têm mais querem ter, açambarcando verdadeiros latifúndios agrários ou amamentando grupos económicos tentaculares, os chamados polvos da nossa economia. As notícias publicadas sobre o assunto pecam por defeito, mas o que vai aparecendo é suficiente para se detectarem as ramificações e associações entre os diferentes centros desses poderosos predadores que um dia saíram do nada para a fortuna, abocanhando tudo o que seja tragável, isto é, que dê lucros, de preferência imediatos. Porque a ganância torna o indivíduo sôfrego e apressado, treinado na arte de somar mentalmente com rapidez, deixando poucos traços ou pistas evidentes no terreno. Se a ganância se tornou num traço característico da humanidade, o que receio acontecer, então não há alternativa e estamos votados à catástrofe, terminando por darcabo do planeta Terra e de toda a vida no seu interior."
(...)
3-"Um marcador que serve para comparar os países em função das diferenças entre as partes do sistema social é o chamado índice de Gini, que em Angola, segundo um estudo, atingiu em 2005 a taxa de 0,62. Este número revela uma das mais fortes diferenciações sociais do mundo. Quer dizer, os ricos são muito ricos e os pobres muitíssimo pobres. É resultado da tal ganância que leva alguns a enriquecerem a qualquer custo. Para esses, a ética é o mesmo que moldar estrelas em galáxias distantes, algo de absolutamente estranho e absurdo. Quer dizer, precisamos de imprimir ética no mercado e nos mercadores. O estado e todas as instituições criadas para o efeito têm de se preocupar com a necessidade de os processos sociais seguirem normas, expressas por leis, de alto rigor. E que os cidadãos, quaisquer que sejam, não só cumpram asleis mas se sintam honrados por as cumprir. Isso é ética."
[Extractos da Oração de Sapiência proferida na Universidade Agostinho Neto por Artur Pestana (Pepetela) na abertura do novo ano académico do ensino superior (13/03/09)]