Depois da “peregrina tese” por mim defendida sobre a existência em Angola de um “jornalismo de ressonância”, fui nos últimos dias confrontado com uma outra “tese” (ainda não desenvolvida) que parece situar-se nos antípodas da minha e que tem a ver com a suposta prática na média local de um “jornalismo de excitação”.
Diria mesmo nos antípodas do próprio conceito jornalístico, onde muito pouco ou quase nada se consegue sem o mínimo de “excitação”, numa altura em que está na moda a referência permanente a adrenalina, como sendo o motor de busca de toda a actividade humana mais ambiciosa nos seus propósitos.
É muito fácil, note-se, identificar os produtos que resultam de intervenções onde os membros da classe optam por posturas menos “excitadas” ou mais “flácidas”, sem a tal adrenalina, no seu relacionamento com as fontes ou mais directamente com a própria realidade dos acontecimentos que são chamados a cobrir para os seus respectivos órgãos.
O mais grave, é que muitas vezes acabam por ignorar a própria realidade dos factos, substituindo-a, quando estão diante de situações claramente conflituosas, por unilaterais declarações da polícia ou do governo em obediência a outros interesses que são profundamente estranhos à natureza abrangente, contraditória e inclusiva do jornalismo.
Ouvir a polícia não significa necessariamente ignorar os manifestantes, nem ocultar as razões dos incidentes, que numa primeira abordagem têm sempre que resultar da apresentação das versões disponíveis.
É esta natureza que confere à nossa profissão a credibilidade que ela ainda vai conseguindo manter (a muito custo) junto da opinião pública que sabe cada vez melhor separar o trigo do joio, identificando onde acaba o jornalismo e começa a propaganda, a desinformação, a manipulação e a intoxicação.
A “excitação” que se pretende imputar ao jornalismo como um carimbo negativo, a ter em conta situações recentes do nosso quotidiano luandense, parece-nos mais ser uma crítica ao desempenho dos profissionais que querem estar no terreno dos factos, não como porta-vozes, mas apenas como repórteres.
Em matéria de cobertura jornalística, Angola não pode ser diferente dos outros países.
No “jornalismo de ressonância” o profissional transforma-se num mero transmissor e amplificador das informações que a fonte está a debitar num determinado encontro, sem qualquer preocupação, por exemplo, em relacionar as mesmas com factos anteriores conexos ou previsões futuras pertinentes resultantes de uma imperativa análise circunstancial.
Da breve pesquisa que efectuei com recurso ao “Big Google”, colocando entre aspas a referida expressão, apenas encontrei o mesmo autor, que é o nosso antigo Jota Malanza (JM), como sendo o defensor em dois momentos distintos da prática do dito “jornalismo de excitação”.
Para além do texto da última segunda-feira (27/4) que o Jornal de Angola deu à estampa, encontrei a mesma expressão o ano passado, proveniente da sua criativa lavra e igualmente debitada no mesmo periódico, onde o colunista constitui efectivamente uma referência solitária na promoção do debate contraditório de ideias dentro e fora da sua família política.
Para melhor compreensão do que estamos aqui a tentar discutir, citarei as duas passagens onde JM faz uso da tal expressão.
[“
Se eu defendo o direito de todos os cidadãos de manifestar a sua opinião sobre a necessária reurbanização de todas as cidades do país – e, mais amplamente, sobre o reordenamento do território nacional no seu conjunto -, discordo em absoluto do incitamento de certos políticos a actos de revolta social injustificada, assim como da cobertura demagógica de um certo “jornalismo de excitação”, que confunde democracia com irresponsabilidade.”-2009
(…)
“Uma nota final para o papel da mídia na alimentação e reprodução da mentalidade catastrofista. Até projectos que se pretendem referenciais começam a cair na tentação do “jornalismo de excitação” praticado entre nós, em termos de cobertura política. Isso é comprovado por uma série de vícios jornalísticos básicos, da assumpção acrítica de declarações dos diferentes actores políticos ao recurso a expressões vulgares para transmitir ou comentar os factos políticos”-2008]
Devo confessar-me um dos leitores mais atentos de JM, o que faço com muito gosto mas com sabor a muito pouco.
No referido diário ele acaba por se constituir na única pena realmente livre de outras “ressonâncias” que ultrapassam a consciência de quem anda nestas lides mais opinativas e acredita, como nós, que o país mudou para melhor.
Acredita mesmo e age em conformidade com tal crença que é o mais complicado no país real que estamos com ele e que não tem nada a ver o com o país dos discursos, das grandes conferências e das intrigas permanentes.
Está escrito no meu portal que a minha a minha principal "mania", para além de ser angolano e luandense de gema (calcinhas qb), é pensar que já sou um cidadão livre a viver num país democrático e, mais grave do que isso, agir em conformidade com uma tal suposição. Não me tenho dado mal de todo com esta "mania" de ser angolano e de ser livre, o que significa dizer que o país está a mudar para melhor. Algum dia tinha que ser, embora pela frente ainda haja muita pedra por partir, muita cabeça dura por abrir.
Com JM ainda tenho de facto muita pedra por partir no domínio da problematização do fenómeno jornalístico, o que vou fazendo a espaços, sempre que a oportunidade surge para tal, como aconteceu agora nos últimos dias.
Curiosamente e ao mesmo tempo que JM criticava o tal de “jornalismo de excitação” num outro texto da sua autoria publicado num outro jornal, era visível o seu agastamento com a “malta da imprensa” menos excitada mas que “também não ajuda”.
Segundo ele os jornalistas dessa “malta” mais bem comportada, limitam-se a receber a informação institucional, a assistir as conferências de imprensa, mas “
não fazem as perguntas que deveriam fazer, não questionam, não vão ao fundo dos assuntos, enfim acabam por funcionar, conscientemente ou não, como meros relações públicas. Por isso, o público fica sem saber o que realmente se passa e os comentaristas informais como eu, correm o risco de falar à toa”-Sic.
Como é evidente estou inteiramente de acordo com as preocupações de JM, que vezes sem conta já dei à estampa.
Claramente, nesta postura, está uma profunda ausência de “excitação” dos jornalistas que se comportam como “meros relações públicas”.
Haverá pior ameaça para a sobrevivência do jornalismo?
São os mesmos jornalistas que diante de conflitos só podem ter o mesmo comportamento das conferências de imprensa.
Transformam-se em porta-vozes das autoridades.
Demitem-se. Desaparecem. Envergonham o próprio jornalismo.
Não parece pois muito coerente da parte de JM criticar os outros jornalistas por uma alegada “cobertura demagógica”, quando o que eles procuram fazer é exactamente no terreno dos conflitos sociais, questionar com a necessária profundidade o que se está a passar, o que não é possível conseguir silenciando um dos lados da barricada.
Se fazer isto é demagogia, então estamos conversados…