segunda-feira, 18 de maio de 2009
Novamente o debate racial
1-Nas últimas semanas e depois do Bilhete de Identidade (BI) ter voltado ao parlamento tendo em vista a sua reformulação, alguns dos nossos mais conceituados fazedores de opinião, onde nesta altura Yanick Gombo já é a estrela mais reluzente, abordaram nas suas colunas mais ou menos sonoras, a questão racial, conferindo-lhe alguma visibilidade numa sociedade em que era suposto a mesma já não suscitar tantas preocupações.
A referência de proa ao Afroman tem a ver com a sua música mais recente que ele próprio, numa manifestação de auto-censura, de acordo com as suas palavras, decidiu não incluir no último disco.
A música conseguiu, entretanto, “fugir” de casa e já está na rua e na internet a fazer subir ainda mais a sua cotação no mercado, onde já se diz que ele é o rei das vendas e das multidões. Acredito mas não mudo de equipa.
Com os ouvidos atentos a tudo e a todos, continuo a ser um fã incondicional do Matias Damásio, depois de já ter eleito o "Coisas da Vida" de André Mingas como o melhor trabalho até agora produzido pela pela renovada música angolana de raíz. Estou, obviamente, a falar do semba.
Devo confessar que tive alguma dificuldade em acompanhar o Yanick neste seu novo "balanço", tantas, tão cruzadas e tão asperas, foram as críticas que ele fez a tudo e a todos na sua quilométrica e curvilínea prosa.
Por exemplo, fiquei sem perceber se ele está contra ou a favor dos relacionamentos entre pessoas de raças/cores diferentes ou se há algum problema mais grave neste âmbito para além dos supostos complexos que Yanick diz existirem.
Para além dos “beefs” do Yanick, retive ainda as preocupações do Ismael Mateus (IM) que sinceramente me deixaram a pensar durante alguns dias devido à profundidade das mesmas, quando ele, por exemplo, diz que os negros deste país não podem andar a pedir licença para serem negros.
É muito grave o que ele diz, mas continuo a pensar e a defender o mesmo quando em debate está a questão racial e todas as suas problemáticas conexas.
Acho que não se deve confundir a arvore com a floresta, por mais que algumas das arvores por força de determinados ventos mediáticos, a certa altura do nosso precurso, se queiram substituir à paisagem. Sou o primeiro a abraçar o conselho do IM. Tem de facto de "haver tranquilidade nestas questões."
2-Depois do segregacionista colonial-fascismo ter sido violentamente atirado para o caixote de lixo da nossa história, por culpa de dois ditadores de pacotilha que estiveram no poder em Lisboa durante cerca de 50 anos, Angola assumiu a sua verdadeira identidade como sendo um país de maioria negra. Não tenho a menor dúvida a este respeito, nem poderia ser de outra forma, tendo em conta o carácter bastante homogéneo da nossa população do ponto de vista da sua composição racial.
Para além da população negra de origem bantu e da abandonada minoria koisan que habita na nossa parte mais meridional, Angola tem no seu espaço territorial, como resultado da própria colonização, uma percentagem de angolanos tidos como não negros e que podem ser reunidos no grupo dos mestiços de vários matizes. A sua identidade racial tem suscitado por vezes alguma controvérsia quando se trata de proceder a sua identificação mais formal, como aconteceu com o Bilhete de Identidade que agora está a ser revisto. Como é evidente não nos poderíamos esquecer da percentagem ainda menos expressiva dos angolanos brancos que completam o nosso “xadrez étnico” e fazem de Angola um país relativamente estável e consolidado do ponto de vista da coabitação entre os seus vários grupos étnicos.
Antes de mais, devo referir que não há absolutamente nada de anormal e muito menos de condenável, o país, que somos todos nós, querer conhecer qual é exactamente a composição da sua população sob todos os pontos de vista, incluindo, obviamente, o racial.
Os censos populacionais servem exactamente para se proceder a este necessário, importante e estratégico levantamento periódico (com intervalos de 10 anos) que Angola já não realiza há mais de 35 anos, pois o último exercício do género, que se tem conhecimento, aconteceu ainda durante a vigência do regime colonial em 1970.
3-Para conhecermos exactamente quantos e quem somos nós para todos os efeitos, o que Angola tem que fazer é organizar urgentemente o seu primeiro recenseamento geral da população no pós-independência, pois não acho que a via do BI seja a mais adequada para se conseguir obter toda a informação que se deseja sobre a composição da população angolana.
Mais preocupado com as questões ligadas ao desenvolvimento económico, à distribuição do rendimento nacional, à transparência da governação e à luta contra a pobreza e o respeito dos direitos humanos, porque é por aí que vamos resolver as grandes e gritantes injustiças deste país, não costumo dar muita importância ao debate da questão racial, o que não quer dizer que ela não exista e que o proposto tema não seja relevante.
Fui certamente uma das pessoas deste país que não me preocupei nem um bocado com a “maka” da introdução da raça no BI, diante da dimensão dos nossos múltiplos e gravíssimos problemas sócio-económicos.
Em abono da verdade para mim nunca houve “maka” nenhuma e até achei divertido o assunto depois das histórias que fui tendo conhecimento na hora da identificação oficial dos nossos “diamulas”, com uns a entrarem negros e a saírem mestiços e vice-versa.
Ainda no âmbito deste “dossier” achei igualmente interessante a informação segundo a qual foi um deputado do MPLA o responsável pela introdução da “emenda da raça” no projecto governamental que Paulo Tchipilika levou ao Parlamento. Não foi, portanto, o Governo a tomar tal iniciativa.
Na hora da votação registou-se uma grande e pouco usual concordância entre as maiorias das bancadas do “Eme” e do “Galo Negro” no sentido do elemento raça ser introduzido no BI, contra uma minoria que votou contra. Nunca consegui saber quem foram os deputados que se opuseram à “racialização” do nosso BI. Aguardo pois com alguma expectativa pela próxima votação do novo projecto de BI ( sem o elemento raça) que o Governo fez chegar ao Parlamento. Sei que o autor da anterior emenda não faz parte neste momento da composição do actual hemiciclo.
4-Em termos de prioridades, como já referi, a minha agenda é outra, pois acho que algumas das tensões que continuam a assaltar e a preocupar a nossa sociedade, incluindo as raciais, só serão ultrapassadas quando a gestão sócio-económica deste país pensar mais seriamente, para além dos discursos e de toda a estafada retórica política que anda por aí, na enorme mancha de pobreza que nos envergonha enquanto país com tantas potencialidades e virtualidades.
De facto e para além do petróleo, o nosso outro grande produto de exportação são as imagens de miséria social e de degradação humana ao lado dos luxuosos e blindados condomínios, que andam pelo mundo afora a falar bem mal do país real que é Angola.
Enquanto isso não acontecer, enquanto os angolanos não beneficiarem dos dividendos da paz, as tensões políticas, sociais, tribais, regionais e raciais, vão de facto multiplicar-se e agravar-se e todo o terreno será fértil para se lançarem as sementes da confrontação, do ódio e da violência.
Não quero com este “alerta”, enviar qualquer recado menos encorajador aos proponentes do debate racial que desde já gostaria que reflectissem nesta problemática de uma forma o mais abrangente, descomplexada e isenta possível, isto é, tendo em conta todos os seus contornos e todas as queixas e reclamações que se vão ouvindo aqui e acolá.
Com efeito e se olharmos com olhos de ver, sem as habituais ramelas do preconceito, nos “dois lados da barricada” facilmente encontraremos recriminações mútuas, sendo as manifestações mais ou menos racistas ao nível dos indivíduos assumidas tanto por negros, mestiços e brancos.
É só assistirmos a uma discussão de rua para ver com que insultos é que ela começa e termina. Parece não haver muitas dúvidas a este respeito. Acabamos por registar queixas vindas de todos os lados, sem incluir aqui as instituições onde a questão parece ser ainda mais sensível.
Antes de chegar a outras conclusões em termos mais percentuais, o que pretendo é convidar/desafiar todos aqueles que estão realmente interessados em discutir o assunto com o propósito sério de contribuir para a sua eventual solução, a passarem para a fase seguinte do debate racial o que implica necessariamente uma maior frontalidade.
Frontalidade para deixarmos a fase da generalização, que é aquela que ainda estamos com ela, para passarmos à fase da identificação concreta dos casos mais graves e recorrentes que envolvam manifestações de rejeição do outro apenas por causa da sua raça.
É igualmente nesta fase que teríamos de identificar as instituições e locais de diversão onde a pratica do racismo tem vindo a ser detectada pela vigilância da nossa sociedade e reflectida em alguns escritos e letras musicais.
Como fazer este “trabalho” com alguma eficácia é que parece ser o grande problema.
Para já, apenas temos para oferecer o método do debate contraditório e os espaços da comunicação social disponíveis que também não são muitos.