O primeiro tema que nos foi proposto este domingo pelo Antunes Guange teve a ver com o 9º aniversário do Acordo de Paz para Angola rubricado a 4 de Abril de 2002, depois do líder histórico da UNITA, Jonas Savimbi (JS), ter ido desta para melhor, crivado de balas, algures no imenso Moxico, 36 anos depois de ter criado um dos movimentos guerrilheiros mais poderosos que a história contemporânea já conheceu.
Reconhecendo-lhe o papel de proa que jogou na profunda alteração da situação política em Angola, temos que destacar, sem outras intenções/juízos de valor, que com JS também foi enterrada uma das piores etapas (provavelmente a mais devastadora) que a história de Angola já conheceu, sendo muito díficil de imaginar que algum dia esta viragem seria possível com a sua presença no xadrez angolano.
De lá para cá, o país entrou decididamente na rota da paz definitiva, garantida pela existência das Forças Armadas Angolanas (FAA), como único exército com jurisdição em todo o território nacional.
Não se pode, contudo, ignorar a a excepção de Cabinda, onde os separatistas da FLEC mantêm aquele enclave envolvido num conflito militar de baixa intensidade, com alguns recorrentes ataques de guerrilha que continuam a tirar o sono às autoridades angolanas.
De facto, nove anos depois, lamentavelmente, a paz ainda não é uma realidade em todo o espaço nacional, mantendo-se o dossier de Cabinda aberto e à procura de soluções mais abrangentes e eficazes.
Pelos vistos, o "Memorando do Namibe" já deu tudo o que tinha para dar.
A montanha acabou mesmo por parir um "ratinho" chamado Bento Bembe e "sus muchachos" do FCD, que ao que tudo parece indicar não conseguiram sequer preencher qualquer espaço que se veja junto da sociedade cabindense.
Há agora que pensar em novas soluções, que já começaram a ser ensaiadas, mas que ainda não produziram resultados no meio de informações contraditórias sobre novas conversações com a FLEC de Nzita Tiago à mistura com estranhas mortes de comandantes da guerrilha.
No balanço efectuado durante o programa deste domingo, chamei a atenção para a necessidade de sermos um pouco mais objectivos/concretos na avaliação do que foram os chamados ganhos da paz, com as atenções voltadas para o esforço de reconstrução nacional em curso e que é visível em todo o país na reabilitação de importantes infra-estrutras (destaque para as estradas) e na construção de novos equipamentos sociais na área da habitação, saúde e educação.
O problema está em fazer a compatibilização entre os montantes já gastos em todo o país com o financiamento do programa de investimentos públicos e as obras que dele resultaram para tirarmos conclusões mais de acordo com a realidade dos factos.
Não basta pois dizer que o Governo está a trabalhar. Está sim, senhor. Ninguém o pode negar. Mas é preciso saber quanto é que foi gasto e em quê. É preciso questionar as prioridades, os valores apresentados, o tipo de projectos edificados e sobretudo a qualidade das obras. É preciso questionar os esbanjamentos, os desvios e as sobrefacturações e os enriquecimentos dos titulares de cargos públicos.
É preciso não deixar morrer o espírito e a letra da "tolerância zero", uma campanha, mais uma, que está condenada a desaparecer do mapa, como todas as outras, lançadas mais para vender imagem no âmbito da estratégia de sobrevivência política pessoal de JES, do que para resolver problemas reais de forma sustentável e transparente.
É preciso não passar cheques em branco a ninguém, sem excepção, apenas porque estamos diante de obras e de canteiros e já não podemos dizer mais nada, com receio de ferirmos determinadas susceptibilidades que não gostam de prestar contas, que não estão habituadas a descer do alto dos seus patamares artificiais e da sua arrogância crónica.
O dinheiro público não é bem o dinheiro da "mamã Joana". Não é nosso, mas é de todos nós. O Executivo não está a fazer favores a ninguém, nem há razões para começarmos a deitar foguetes diante do muito que ainda está por fazer. O Governo está apenas a gerir biliões de dólares no interesese público que tem de ser avaliado de forma sistemática pela sociedade através de mecanismos mais ou menos formais, mais ou menos informais.
É esta gestão que tem estado a conhecer problemas muito complicados, sobretudo na hora de se definirem prioridades e de se afectarem recursos, porque o Executivo continua a ser alérgico à procura de consensos com os seus parceiros sociais, embora manifeste disponibilidade política para tal nas declarações que vai emitindo por ocasião das efemérides.
Custa-me por exemplo aceitar que o preço da construção da estradas seja aquele que anda por aí na boca das pessoas, isto é, um milhão de dólares por kilómetro.
Gostaria efectivamente de saber qual tem sido a média gasta por kilómetro de estrada no âmbito de todas as vias novas e reabilitadas já terminadas.
A percepção que tenho é que com todas as dezenas de US$biliões já gastos ao longo destes anos de paz era possível fazer muito mais e sobretudo muito melhor (prioridades) e com maior qualidade, entenda-se, durabilidade.
Isto quer dizer, a confirmarem-se os meus piores receios, que muito do nosso dinheiro destinado a retirar o país do abismo para onde foi atirado pela guerra, pode ter ido "aquecer" outros projectos mais particulares como hotéis de luxo, quintas de sonho, deslumbrantes condomínios privados e por aí adiante, tanto dentro, como fora de Angola.
Parte do suposto investimento privado nacional pode efectivamente estar a ser feito com dinheiro público em montantes que se adivinham muito significativos, através de complicadas e opacas engenharias financeiras e patrimoniais.
Por isso é que não é fácil fazer o balanço destes nove anos de paz, apenas olhando como fazem os bois para os palácios que andam por aí .
Não é fácil, porque não há números globais e fiáveis.
Não é fácil, porque não há transparência.