Discordo de todos aqueles que acham que JES voltou a ignorar (ou a passar ao lado), neste seu segundo Estado da Nação, a problemática da corrupção.
Sem ser prolixo e evitando a repetição dos chavões ocos do discurso oficial,
JES falou e bem (mal) da corrupção.
JES colocou o dedo bem alto, no topo da pirâmide, lá onde ele efectivamente ele deve ser colocado, para não andarmos a perder tempo com as gasosas da sobrevivência dos polícias, dos funcionários das repartições públicas, dos professores e dos enfermeiros, que no fundo acabam por ser apenas processos sinuosos que visam melhorar a distribuição do rendimento nacional.
Antes de mais sentiu-se da parte de JES uma necessidade de corrigir o famoso tiro anterior quando se referiu à pobreza de forma tão displicente ao tentar passar para o colonialismo as culpas pela actual situação de pobreza que o país vive, numa altura em que o PIB per capita já atribui a cada angolano uma receita de cerca de 4 mil dólares.
“Vão surgir e estão a surgir pessoas ricas. O Estado não está contra os ricos, mas é bom que se diga que a preocupação maior do Executivo é combater cada vez com mais energia a fome e a pobreza, de modo a reduzi-las progressivamente até à sua completa anulação.”
Assim está bem, assim já nos começamos a entender melhor, pois o que ficou da anterior abordagem foi uma quase condenação dos angolanos à pobreza eterna por força exclusiva da herança colonial, ignorando-se olimpicamente os decepcionantes resultados de políticas públicas eleitoralistas e pouco consensuais a par da escandalosa e recorrente má distribuição do rendimento nacional.
As violentas e abissais discrepâncias salariais no sector público são apenas uma das pontas mais visíveis do enorme iceberg de injustiças e “trungungus” que vai por aí.
O dedo na grande corrupção foi colocado quando JES disse que “o país precisa de leis e regulamentos com regras mais claras sobre a participação em negócios de governantes, deputados e outros titulares de cargos públicos e as eventuais incompatibilidades”.
Depois de tanta legislação já aprovada, afinal ainda é preciso mais?
JES falou depois dos “conflitos de interesse” numa alusão, quanto a nós, ao progressivo desaparecimento do Estado como pessoa de bem, que é de facto o que está a acontecer aos olhos do cidadão que já não acredita que prevaleça lá em cima a salvaguarda e a defesa do interesse público, como inspirador fundamental da acção dos governantes. Este é o terreno mais fértil para a corrupção se instalar e se desenvolver. É este o pano de fundo da história de grande sucesso que tem sido a evolução da corrupção em Angola ao mais alto nível.
Tudo lá em cima funciona com base nos interesses particulares de quem nos governa. A ganância e o receio em relação ao futuro fazem o resto.
É exactamente nesta “faixa de Gaza” (os palestinos que me desculpem a ironia) que o dinheiro público desaparece aos milhões e vai parar aos bolsos de meia dúzia, com a agravante destes novos-ricos serem pouco empreendedores por não gostarem nada de trabalhar.
Era suposto que depois de tantos e tantos milhões de dinheiro do OGE já drenados por via da alta corrupção e do despesismo para as contas particulares dos titulares de cargos políticos e públicos, hoje o país tivesse uma classe empresarial a altura dos desafios de uma economia de mercado.
O que país “ganhou” foi apenas uma burguesia perdulária, arrogante e autoritária, porque umbilicalmente ligada ao poder político, aliás, ela continua a ser a cabeça do próprio poder político, para sermos “geograficamente” mais claros.
As pessoas mais ricas deste país, os grandes latifundiários, têm uma proveniência politico-partidária sobejamente conhecida, aliás, não podia ser outra, por razões objectivas, depois de a UNITA ter sido afastada da “farra”, na sequência da sua estrondosa derrota militar.
Daí que, achamos ter tido bastante substância o patético apelo de JES no sentido do sector privado poder e dever contribuir no esforço de combate a pobreza e a miséria, “fazendo mais investimentos para criar mais empregos bem pagos, pagar impostos e aumentar a riqueza nacional”.
Em síntese JES disse tudo para bom entendedor, tendo em conta o conhecimento profundo que tem desta realidade.
Patético, porque os adversários de JES atribuem-lhe a grande responsabilidade pelo surgimento e desenvolvimento deste sistema clientelar que em termos de desenvolvimento sócio-económico do país não tem representado a mais-valia que todo o seu potencial de recursos financeiros acumulados deveria proporcionar.
O que vemos são apenas condomínios, hotéis, fazendas de luxo, carros topo de gama, festas sumptuosas e pouco mais
Além fronteiras a farra continua…
Assim de facto o tal sector privado não pode criar riqueza para ser distribuída por todos.