segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A falência do modelo e o jornalismo de ressonância

1-Todos, enquanto País, ganhamos muito mais quando os poderes que se cruzam na nossa sociedade assumem claramente a sua independência num relacionamento vertical que exclui, necessariamente, a subserviência e a bajulação. Numa sociedade democrática é esta a norma. Ninguém está acima de ninguém. Todos temos direitos e deveres. Toda a liberdade implica responsabilidade. Todos somos iguais perante a lei. Numa sociedade democrática não há intocáveis. Numa sociedade democrática todos se respeitam (ou pelo menos se deviam respeitar), o que significa dizer que as nossas convicções não devem alterar a consideração que temos por alguém que, eventualmente, não partilhe da nossa maneira de estar na política ou nos negócios. Numa sociedade democrática a diferença é um grande lucro, é uma grande riqueza que temos de saber defender e aprofundar. Como é evidente, uma sociedade democrática só funciona de forma adequada se os cidadãos não tiverem medo de assumirem as suas convicções políticas ou de outra índole qualquer, em público, sobretudo quando elas não estão muito de acordo com a opinião reinante ou dominante. Em Angola todos os dias continuam a ser bons, muito bons mesmo, para fazermos o teste da democracia, com resultados que variam consideravelmente entre o positivo e o negativo. Vem este sermão, que já é recorrente por estas bandas, a propósito do papel do jornalismo como mais um poder independente que se cruza na nossa sociedade, numa altura em que voltamos a sentir a sua falta devido a sua continuada demissão em alguns médias, que se agravou, entretanto, nos últimos meses. 2-A opção, que já não constitui qualquer novidade, foi a escolha da “caixa de ressonância” ou do “batuque” em vez dos seus editores assumirem, com o distanciamento crítico que se impõe e se recomenda, as suas responsabilidades, particularmente ao nível da promoção do debate contraditório de forma normal e regular. E voltamos a sentir esta ausência na sequência da crise que anda por aí a tirar-nos o sono e a fazer mudar rapidamente o discurso de muitos “analistas” que parece que até tinham sido proibidos de usar determinadas palavras. Questionar o modelo era uma verdadeira heresia. O problema não era bem eles, pois todos temos o direito de dizer o que nos vai no coração, embora nestes casos o recomendável seja usar a cabeça e a razão, com alguma coragem e frontalidade. O problema era de quem não permitiu (e continua a não permitir) que no mesmo espaço mediático coabitassem opiniões e avaliações diferentes sobre o mesmo problema. Este é que é o grande problema que, inexplicavelmente, se agravou agora na sequência das eleições de Setembro de 2008, depois de termos vivido uma verdadeira primavera mediática. O mínimo de contraditório que existia foi expulso. A oposição política desapareceu dos noticiários como se tivesse sido condenada ao silêncio. A diferença passou a ser igual. A censura foi restabelecida na prática. Com todos os possíveis exageros desta apreciação, é assim que as coisas se apresentam nesta altura, numa altura em que se faz o apelo à parcimónia, à disciplina e ao rigor, terminada que está a dança ascendente do PIB com que nos foram enchendo os ouvidos nos últimos anos. E as fabulosas reservas do BNA onde e como é que se encontram, depois de já terem minguado de 20 para 16 bis, de acordo com as últimas informações oficiais? 3-A imprensa só tem alguma capacidade de desempenhar convenientemente o seu papel de vigilante ao serviço de toda a sociedade, se tiver o mínimo de independência e não andar por aí de microfone na mão a obrigar as pessoas a dizerem que o governo está a trabalhar. Está a trabalhar só, sem acrescentar mais nada? Nem pensar. O novo “jornalismo de ressonância” é muito mais exigente e rigoroso com os seus entrevistados. Este novo jornalismo obriga a “vox populi” a confessar que o governo está a trabalhar muito mas mesmo muito bem, de preferência com sorrisos afivelados nos rostos cansados, muitos sorrisos para que fique claro e provado que o povo está a gostar cada vez mais do que o nosso governo está a fazer, mesmo que sejam estradas de papelão. Que “jornalismo” é este? É o fim da picada. É a negação absoluta de tudo. Mas é este “jornalismo” que está aí todos os dias a matraquear-nos a paciência e a intoxicar a opinião pública. O país não ganha nada com tais xaropadas. Como esta abordagem não é nova voltamos aqui a repetir o que já dissémos e escrevémos há alguns anos atrás. Definitivamente, o poder político tem de perceber que a liberdade de imprensa acaba por ser o melhor e mais rápido instrumento que tem à sua disposição, sem custos adicionais em termos de OGE, para ser informado sobre os resultados efectivos da sua própria governação, de como é que ela se está a processar no dia-a-dia. O contexto de uma tal monitorização é o espaço de um país vasto como é o nosso, onde a administração funciona com várias velocidades, quantas vezes em permanente choque com os interesses das populações, a projectar bem toda a problemática da boa governação e da transparência. 4-De nada adianta ter à sua disposição uma tal ferramenta se os seus operadores permanentemente se demitem das suas funções, com os já referidos receios, embora em matéria de ruptura com o passado já alguma coisa tenha sido feito. O problema aqui é que esta tendência ainda não está suficientemente consolidada, sobretudo quando é confrontada com conjunturas de crise política mais acentuada. Aí tudo volta quase à estaca zero. À semelhança do que acontece com a democracia, que só é possível fazer com democratas, também o jornalismo de qualidade está dependente da existência de bons profissionais que dominem tão bem a arte de comunicar, escrita e falada, como a do relacionamento com as fontes em paralelo com a observância e o respeito das normas éticas e deontológicas da profissão. Como decisivo pano de fundo de toda esta movimentação estará a própria formação integral do jornalista, uma insubstituível e intransmissível ferramenta pessoal, cuja ausência tem sido responsável por tantas e tão clamorosas “bandeiras”. Num plano mais geral e abrangente, o jornalismo angolano tem como grande desafio a definição de uma agenda informativa autónoma, dominada pelo que é fundamental e estruturante, deixando de andar permanentemente à reboque de outras agendas inspiradas pelos interesses estratégicos dos diferentes poderes que se movimentam na nossa sociedade. Aceitamos pacificamente os reparos, quantas vezes cáusticos, que nos são dirigidos relacionados com a falta de perspicácia e profundidade com que vamos seleccionando as matérias das nossas edições, que segundo alguns dos nossos críticos mais atentos, não passam de verdadeiro milho para os pardais. De facto é bom separar, como o fez o já falecido veterano do jornalismo francês, Claude Julien, a informação-espectáculo que evita as interrogações da informação significante, que muitas vezes chega até nós através de factos desprovidos de ruído e de furor, mas que nem por isso determinam menos e de maneira quantas vezes mais radical o destino dos cidadãos. A terminar deixamos aqui um recado para os já referidos críticos. É com a participação activa de todos, incluindo as fontes anónimas e os especialistas que o jornalismo angolano estará em melhores condições de acertar o passo com os enormes desafios deste país. Walnandes disse... Quando questionados sobre o "serviço público" - na verdade serviço governamental (propanganda institucional) - que têm estado a prestar, dizem, simplesemente, tratar-se de sua(s) linha(s) editoria(s): Governo de Angola a trabalhar a avançar!Mas que linha(s) editorias são essas que não respeitam, ou estão acima, das liberdades de expressão e imprensa -contraditório democráticos constitucionalmente consagrados? Bom trabalho Morrodamaianga! 23 de Fevereiro de 2009 1:16 Koluki disse... Gostei de ler. E, a acreditar no que li, digo como a minha falecida tia: a situacao e' grave...So' tenho duas questoes (sei que nao terei resposta porque dialogo nao e' bem o estilo desta casa, mas deixo-as aqui a mesma):- Em relacao a "falencia do modelo", sobre a qual leio de vez em quando, gostaria de ver esse "modelo" melhor descrito, ja' que me parece que na historia contemporanea de Angola sao identificaveis pelo menos dois "modelos" nucleares. A questao e', pois, qual dos "modelos" faliu exactamente? Ou terao sido os dois? - Quanto ao "jornalismo de ressonancia" apenas gostava de saber: o que fazer? 24 de Fevereiro de 2009 8:59 Anónimo disse... A liberdade de imprensa não é um privilégio do jornalismo. É um direito do cidadão. Isto é o que ensina qualquer curso básico de jornalismo. Basta que existam jornalistas dignos desse nome para que "A falência do modelo e o jornalismo de ressonância" sejam relegados para a categoria de mera discussão académica. Não existe tal coisa como 'bom' ou 'mau' jornalismo. Há jornalismo simplesmente. Agora, é preciso é que o jornalismo se exprima, quer dizer, saia de si mesmo. Isto é possível se os jornalistas conservarem a noção fundamental de que nada sabem: por isso fazem perguntas! 25 de Fevereiro de 2009 16:25