segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crise chega a Angola- Um mal que veio por bem?

1-Depois de ter andado uns tempos a tentar travar o vento com as mãos, o Governo assumiu de forma mais definitiva e frontal a dura realidade do que serão as consequências do impacto da crise internacional sobre a economia angolana, a pôr em causa a estratégia já adoptada e que está plasmada no quadro macroeconómico que serviu de base à elaboração do OGE para este ano. O líder da UNITA, Isaías Samakuva, disse por seu lado que o mencionado quadro já deveria ter sido alterado na altura da sua aprovação, pois os sinais existentes no último trimestre do ano passado eram mais do que suficientes para justificar o ajustamento diante do agravamento da crise financeira internacional que rapidamente passou a afectar toda a economia real à escala planetária. O acentuado corte nas receitas previstas, que é para já o principal rosto do impacto da crise, vai, na opinião de alguns críticos do despesismo em Angola, ser um melhor conselheiro dos programadores e gestores da coisa pública, conhecidos pela sua “extraordinária capacidade de drenagem”. Esta capacidade é tanto maior e mais eficaz quanto maiores forem os recursos públicos colocados à sua disposição por diferentes vias, o que significa dizer que o despesismo em Angola tem uma relação muito directa com o enriquecimento ilícito dos titulares de cargos públicos, com a corrupção institucional e com a péssima distribuição do rendimento nacional. Em abono da verdade, pode-se mesmo admitir que a actual crise no seu impacto com a realidade económica angolana até poderá vir a ter algumas consequências bastante positivas, na hora de se ajustarem os programas em nome da racionalidade, do controlo e da prestação de contas que o momento exige. 2-Não é líquido dizer que em Angola o tempo das “vacas gordas” tenha uma correspondência directa com os frutos de desenvolvimento económico e social, sendo desta discrepância resultante, o chamado “paradoxo da abundância”, conceito que muitos especialistas utilizam para caracterizar a controversa realidade angolana. Quarta-feira a Comissão Permanente do Conselho de Ministros “ressuscitou”, para discutir e aprovar os ajustes ao programa do Governo que já tinham sido ventilados na mensagem de Ano Novo do Presidente, tema que o Primeiro-Ministro Paulo Kassoma viria a retomar no discurso que proferiu em Ondjiva, no passado dia 4 de Fevereiro. Kassoma disse na capital do Cunene que o Governo se estava a “preparar para aprovar um conjunto de medidas e tarefas estruturais, com vista a criar um quadro adequado à condução de políticas públicas com maior austeridade”. Da reunião da Comissão Permanente do CM resultou a adopção de um cronograma de medidas de gestão macroeconómica e estruturais a implementar em 2009. O cronograma estabelece a perspectiva temporal e o encadeamento da implementação das principais medidas de política e gestão macroeconómica, permitindo o seu acompanhamento e monitorização. Manuel Nunes Júnior, o Ministro da Economia, falou em abrandamento do crescimento económico, mas excluiu o cenário da recessão com a introdução de uma equação que está a ser vista como uma novidade em matéria de discurso mais económico. O ministro disse que Angola não entrará em recessão, porque vai conseguir manter o crescimento do PIB acima dos três por cento que, segundo ele, é a taxa de crescimento demográfico em Angola. 3-Para alguns economistas este relacionamento estabelecido por Manuel Nunes não parece ser, do ponto de vista técnico, o mais adequado para se avaliar se uma economia está ou não numa situação de recessão. Parece-nos ser, contudo, um tópico interessante para animar o debate entre os especialistas, numa altura em que já se ouviram vozes autorizadas a apontarem para a possibilidade efectiva da economia angolana entrar este ano numa situação de recessão, certamente com outros argumentos que têm muito pouco a ver com aquele que acaba de ser expendido pelo Ministro da Economia. Reconhecendo a gravidade da situação, Manuel Nunes Junior referiu-se particularmente à indústria diamantífera e à possibilidade das empresas do sector entrarem em colapso. "O Estado está a adoptar um conjunto de disposições que vão permitir intervir na compra de diamantes e impedir que empresas do sector entrem em colapso”. Sem ter apresentado as novas previsões do crescimento em Angola, Manuel Nunes Junior limitou-se a referir que, de acordo com as suas contas, a economia mundial em 2009 apenas deverá crescer 0,5% contra os 3,4% do ano passado. Quinta-feira foi a vez do Presidente JES voltar a falar da crise e do seu impacto negativo na economia angolana, tendo-o feito já como um dado adquirido para anunciar que “o Governo vai iniciar uma campanha de esclarecimento para dar a conhecer o que se passa com mais clareza e com toda a transparência e realismo, e orientar a sociedade no sentido de canalizar os seus esforços para a realização das tarefas prioritárias que nos permitam superar os efeitos dessa crise com êxito e o mais depressa possível.” Mais importante do que isso foi o apelo feito pelo Presidente no sentido de “ser feito um esforço para gerir o que temos, com maior rigor, disciplina e parcimónia, priorizando o pagamento das despesas que não podem ser adiadas e mantendo a estabilidade macroeconómica, o funcionamento normal da Administração Pública e o financiamento dos Programas Executivos priorizados”. 4-O rigor, a disciplina e a parcimónia têm sido, na opinião de vários críticos da forma continuada como se faz a gestão dos recursos públicos em Angola, os grandes ausentes de uma estratégia governamental pouco preocupada com o acompanhamento e os resultados das suas políticas. Um destes críticos, por sinal aquele que de forma mais consistente tem esgrimido os seus argumentos em público, é o engenheiro agrónomo, Fernando Pacheco, a presidir actualmente os destinos do Observatório Político e Social de Angola (OPSA). A traduzir bem este posicionamento está o conteúdo do seu mais recente artigo de opinião publicado em Janeiro na Revista Africa-21. Em momento de crise financeira internacional, alertou Pacheco, “que bom seria se Angola «parasse» um pouco para repensar a sua via de desenvolvimento, sem termos que ser forçados a parar com a folia do despesismo devido ao baixo preço do petróleo. E que melhor seria ainda se tivesse em conta as sábias palavras do primeiro-ministro de Cabo Verde, João Maria Neves, a um jornal angolano: «o nosso petróleo é a boa governação»”. Mais directo na sua apreciação da nova conjuntura, Mira do Amaral, o Presidente do BIC-Portugal, acha que o previsto arrefecimento tem vantagens para o país, nomeadamente, para se corrigirem alguns excessos dos anos de abundância. Para Mira do Amaral o apertar do cinto que se anuncia, como tudo na vida, tem vantagens e inconvenientes. "Até pode dar mais tempo para pensar e corrigir alguns excessos que estavam a ser praticados em Angola em termos de custos operacionais, preço do imobiliário"-sustentou Amaral, citado pela Lusa.