domingo, 8 de abril de 2012
Ser ou não ser...
As duas declarações políticas produzidas pelo MPLA e a UNITA para assinalar o 10º aniversário da paz definitiva apenas são convergentes na constatação de que o país vive há dez anos sem guerra e mesmo assim o Galo Negro diverge ao considerar que em Cabinda existe "uma guerra de baixa intensidade entre o Governo de Angola e a FLEC, com interminável cortejo de mortes, desaparecimentos e detenções".
Ao ler-se os dois textos, a sensação com que se fica é que existem duas Angolas distintas que coabitam no mesmo espaço geográfico, com velocidades completamente desiguais.
Será possível termos um país assim, tão tão diferente e tão contraditório?
Será possível fazerem-se leituras da mesma realidade tão antagónicas, mesmo entre adversários políticos de longa data que já se odiaram de morte e agora detestam-se visceralmente?
Mesmo admitindo que na política os discursos da situação e da oposição são sempre conflituantes por razões de estratégia, estas duas declarações falam de facto e de jure de países diferentes, o que nos deixa, enquanto jornalistas, sem saber bem por onde ir e o que dizer.
Ser ou não ser (verdade), eis a questão?
No famoso poema de Shakespeare, Hammlet interroga-se: "Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre/ Em nosso espírito sofrer pedras e setas/Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,/Ou insurgir-nos contra um mar de provocações/ E em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais;"
Mesmo estando nós em ano de eleições, a verdade mantém-se um objectivo a alcançar na agenda da honestidade intelectual, que é um valor inalterável que mesmo a política não devia prescindir.
Se alguém que não conhecesse a realidade angolana, lhe fosse dado a ler os dois textos suprimindo-lhe as referências a Angola, a pessoa em causa não teria muitas dúvidas em chegar a conclusão que uma coisa não tem nada a ver com a outra e que, portanto, são alusões feitas a dois países diferentes.
Para "facilitar" as coisas diríamos que nas duas declarações há verdades que nos aproximam de um país real chamado Angola, ficando, contudo, muito difícil fazer um país juntando as duas partes.
Então o que teremos assim, se o país continua a existir com as duas partes juntas?
Restará saber como é que os angolanos encaram o país, o que em política/democracias representativas, com todas as grandes limitações deste exercício, só é possível saber "através" das eleições, se elas forem realmente livres, justas e transparentes, para quem ainda acredita nesta possibilidade nas condições concretas de Angola.
Como já tive em 2008, mantenho as minhas, muitas, dúvidas a este respeito, pois não é possível atingir um tal desiderato se desde logo a pré-campanha eleitoral é feita apenas pelo partido da situação e o seu candidato.
Tenho muitas dúvidas se desde logo mais de 90% da média existente no país só veicula a posição de um dos contendores e recusa abrir os seus espaços ao debate contraditório de ideias.
Tenho muitas dúvidas se vivemos num país onde a televisão que é de todos nós está há mais de seis anos sem entrevistar o líder da maior partido da oposição e nunca fez até agora uma única entrevista de fundo com o Presidente que nos governa há mais de 32 anos. Disse, sublinho, uma entrevista de fundo.
Tenho muitas dúvidas a respeito de muito mais coisas o que só prova uma coisa que ninguém me pode desmentir quer (não) concorde comigo ou "sem-migo": Vivo em Angola, e é de Angola que falo, dez anos depois das armas se terem calado...