sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O Presidente da República só pode ser eleito por sufrágio directo, secreto e universal

Teremos sido dos poucos observadores que durante a recente campanha eleitoral mais chamou a atenção dos protagonistas e da opinião pública (eleitores) para o facto da Assembleia Nacional a ser eleita ter como grande desafio imediato a aprovação de uma nova constituição para o país. Em momento nenhum, entretanto, nos ocorreu que o novo sistema político a ser desenhado pela Constituinte poderia optar pela escolha do sufrágio indirecto, como sendo a solução para a eleição do futuro Presidente da República. E não nos ocorreu, apenas por uma razão, que não tem nada a ver com a existência de um eventual défice intelectual da nossa parte que, de algum modo, poderia ter limitado a nossa capacidade de prever cenários. Escrevemos, já depois de consumada a vitória do MPLA, que mesmo com a sua maioria super qualificada, o agora super-maioritário não devia nem podia fazer aprovar uma nova constituição à revelia de seis princípios fundamentais. São eles: 1) a independência, integridade territorial e unidade nacional; 2) os direitos e liberdades fundamentais e as garantias dos cidadãos; 3) o Estado de direito e a democracia pluripartidária; 4) o sufrágio universal, directo secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e do poder local; 5) a laicidade do Estado e o principio da separação entre o Estado e as igrejas; 6) a separação e interdependência dos órgãos de soberania e a independência dos Tribunais. Escrevémos na mesma ocasião que o referido “pacote” de seis pontos era para já a única garantia concreta que todos temos, os que acreditam e os que não acreditam nas boas intenções do maioritário, de vermos Angola prosseguir nos trilhos da sua democratização. Dissémos também que a outra garantia era a existência do Tribunal Constitucional que tem competência para analisar todos os actos, praticados sejam por quem for, que, eventualmente, possam pôr em causa os limites da alteração da constituição atrás referidos. A alçada do TC estende-se a outras manifestações menos pacíficas que possam ferir letras e espíritos assentes em diplomas fundamentais do direito internacional que Angola já subscreveu. O “pacote” que faz parte do actual texto constitucional que se prepara para ser revisto logo no ínicio do próximo ano não pode ser ignorado por ninguém, porque é uma espécie de cadeado.
É uma tranca que foi colocada na porta principal do país para impedir o regressso ao passado totalitário da nossa história. No “pacote” o seu ponto 4 não deixa qualquer margem para dúvidas, nem permite nenhuma interpretação que possa alimentar de jure a tal corrente, citada por José Eduardo dos Santos, que defende o sufrágio indirecto. Por outras palavras, em Angola o próximo Presidente da República só pode ser eleito de uma forma. Nenhuma revisão do actual texto constitucional pode passar ao lado do sufrágio universal, directo secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e do poder local. É o que está escrito. É a lei! Não há como ultrapassar esta barreira. O grande teste da democratização será pois a aprovação da primeira Constituição para Angola. Depois de ter aprovado todos os textos constitucionais que já figuraram no nosso ordenamento jurídico desde 1975, o MPLA volta a estar sozinho em pleno regime democrático, desta feita por ausência de qualquer oposição, com a grande responsabilidade de fazer aprovar uma constituição que nos dignifique a todos. Do que “sobrou”, como divergência de peso da fracassada constituinte da segunda República, quando a oposição ainda tinha alguma capacidade de negociação, está claro que o grande desafio do MPLA é desenhar um sistema de governação assente num modelo democrático já testado internacionalmente e não tentar “descobrir” novamente uma solução angolana apenas para resolver problemas de conjuntura. Os homens passam, os países ficam. Mais claramente do que isso talvez fosse necessário dizer que, praticamente, já não há nada para inventar em matéria de modelos constitucionais. Ou é ou não é. Agora tentar querer ser tudo e depois, na hora da prestação de contas, não ser nada é que não dá. Não é, certamente, um modelo democrático.