domingo, 7 de dezembro de 2008

Quem foi que disse que a economia angolana ia passar ao largo da actual crise?

Sem crise! Esta é a expressão que melhor traduz o sentimento nacional e internacional quanto à capacidade da economia angolana resistir ao tsunami que vem devastando, nos últimos meses, a estrutura financeira mundial. Angola está em condições não só de resistir à crise mas mesmo de emergir dos destroços acumulados pelo rasto da hecatombe com uma posição reforçada na ordem económica global”. Foi há pouco mais de três semanas que lémos esta eufórica e ufanista passagem num texto de opinião (editorial) assinado pelo estreante Luís Viana nas páginas amareladas inventadas pelo Financial Times, que o nosso nóvel “El País” fez questão de recuperar para dar à estampa (editar) o seu suplemento de economia. Como somos angolanos, sem passaporte alternativo para além do "nosso pretinho", a referência ao sentimento nacional chamou desde logo a nossa atenção por termos sido citados indirectamente, sem nunca ninguém nos ter perguntado pela nossa avaliação. Como é evidente, não podemos partilhar daquele sentimento que nesta altura já deverá ter desaparecido completamente do mapa, depois do preço do petróleo ter descido abaixo da fasquia do 50 dólares. Seja como for, não acreditamos, minimamente, que algum dia tenha existido um tal “feeling” com contornos tão fortes e tão consensuais como o articulista deixou claramente transparecer, como se lhe tivesse sido passada alguma procuração colectiva para interpretar o que vai pela mente de tanta e tão estratificada gente. Logo nós, que desde a primeira temos estado a clamar e a reclamar no deserto, chamando a atenção para o impacto da crise internacional na economia angolana, com as atenções inicialmente concentradas nas perdas que as volumosas aplicações financeiras feitas com dinheiro público, em várias praças financeiras, estão certamente a conhecer. Apenas restará saber qual é a margem dos prejuízos, qual é a sua real magnitude, de nada adiantando, estarmos agora a tentar travar com as mãos o vento da crise, que já nos entrou pela casa adentro. Em parte as nossas reclamações até foram atendidas por diferentes representantes do poder político, onde se inclui o próprio Presidente da República. Como se de uma orquestra se tratasse, todos os dignitários que reagiram às nossas preocupações disseram exactamente o mesmo. “Não há preocupações de maior porque Angola não investiu em produtos de risco”- foi a “ladainha” escutada. A “música” deveria, entretanto, ter prosseguido com mais algumas notas explicativas. Em nome da transparência e da prestação de contas que a gestão dos dinheiros públicos exige dos titulares que se ocupam dela, a oportunidade deveria ter sido aproveitada para os “nossos Pavarotis” acrescentarem algo de mais substancial. E este algo tinha a ver (e continua a ter) com o destino exacto das aplicações das nossas reservas internacionais líquidas que já estão muito próximas da fasquia dos vinte bis. Se não há nada a esconder, se tudo está no seguro, não seria pedir de mais ao Governo que nos dissesse onde é que estas aplicações foram ou estão a ser feitas e quanto é que elas já renderam ao país. A recente iniciativa de se avançar para a criação de um Fundo Soberano parece ser a resposta muito indirecta dada à esta e a várias outras preocupações, todas elas convergentes para a necessidade de se fazer a maior transparência possível com a gestão das finanças públicas, dentro e fora do país. O país dormiria certamente mais descansado se soubesse exactamente o que é que está a ser feito com o seu dinheiro, para além dos editoriais e dos discursos de ocasião. O país precisa, sobretudo, de informação objectiva e não de proclamações ou de profissões de fé. E já que falamos em informação deixamos aqui em jeito de roda-pé a apreciação feita pelo economista Alves da Rocha num artigo por ele publicado no “Novo Jornal” sobre as incidências da crise financeira em Angola. São facilmente notórias as diferenças deste texto, cuja leitura recomendamos vivamente, com outras matérias que sobre o mesmo assunto foram publicadas pelo “O País”no seu número de estreia. [… outro risco relaciona-se com as aplicações financeiras dos activos angolanos. Creio que, devido ao chamado risco sistémico, são muito poucas as aplicações isentas de risco neste momento dramático da crise financeira internacional. É difícil garantir-se que as reservas internacionais liquidas de Angola -avaliadas em cerca de 20 mil milhões de dólares no final de Setembro - estejam totalmente defendidas de perdas financeiras. Não há praticamente, nenhuma zona da economia financeira internacional que não esteja a sofrer fortes desvalorizações nos activos aí investidos. Repare-se, por exemplo, que a Sonangol subscreveu, há cerca de 6 meses, 10% do aumento de capital de mil milhões de euros do Millenium-BCP, cujas acções sofreram uma das maiores quebras do PSI-20. Evidentemente que, no mercado de transacções de títulos, as perdas e os ganhos apenas se concretizam quando os mesmos são comprados ou vendidos. No entanto, o valor actual das acções do Millenium-BCP está desvalorizado em 66,4%, equivalendo por dizer que as participações da nossa concessionária dos hidrocarbonetos reduziram o seu valor naquele montante. Desconhecendo qual o valor total da sua participação nesta instituição bancária portuguesa, a perda mínima estimável é de 66,4 mil milhões de euros (cerca de 93 mil milhões de dólares), relativa à sua participação de 10% no recente aumento de capital. Provavelmente que outras aplicações financeiras das nossas reservas externas se encontram, igualmente, nesta zona de desvalorização. A internacionalização financeira da economia angolana, protagonizada pela Sonangol e outras empresas fortes, pode ter de ficar congelada durante algum tempo.- Alves da Rocha in Novo Jornal (7/11/08)]