O quadro traçado esta semana por Isaías Samakuva sobre o estado da nação é altamente preocupante para quem está de facto preocupado com o desenvolvimento harmonioso deste país.
Sendo Isaías Samakuva o líder da oposição, por força dos lugares que a sua UNITA que possui no Parlamento, é recomendável que as suas palavras grávidas de graves acusações, sejam avaliadas devidamente pelo seu principal destinatário, que é o Governo.
“Em contactos recentes com estadistas, políticos e homens de negócios muitos me falaram da degradação do Estado de direito em Angola e o perigo que ela pode representar para a paz social e para a estabilidade dos negócios. Todos parecem concordar que os dividendos da paz não estão a ser partilhados pela pluralidade política e étnica da Nação. Todos parecem concordar que Angola precisa de levar a cabo um sério combate a corrupção e a má gestão. Todos concordam, acima de tudo, que Angola precisa de pôr fim imediato à era do exercício do poder político sem mandatos e sem prazos e exercido de modo arbitrário, fora dos limites do direito natural e constitucional”.
Antes deste pronunciamento de Isaías Samakuva já tínhamos ouvido os mesmos clamores mais alargados a outras sensibilidades politicas que comungam das mesmas preocupações com a UNITA.
Foi o caso do comunicado divulgado no mesmo dia em que teve início o processo de registo eleitoral subscrito pelo principal “clube” oposicionista do país.
“As prisões arbitrárias perpetradas contra activistas cívicos, como Raúl Danda, de activistas políticos dos partidos da oposição, sendo o mais recente a dos membros do PADEPA, incluindo o seu Secretário Geral, de entre outras prisões arbitrárias que ocorrem um pouco por todo o País sem culpa formada, apenas por perfilharem ideias diferentes, a ilegalização do Mpalabanda, os critérios tendenciosos de selecção de organizações para a educação cívica com carácter exclusivista, a proibição de divulgação de filmes sobre eleições noutros países como ocorreu no Lobito, o que não acontece com as manifestações do movimento nacional espontâneo e outras a favor do partido da situação”.
A estas preocupações poderíamos acrescentar muitas outras com a mesma carga política que já seriam mais do que suficientes para darmos corpo a um mapa com a dimensão geográfica do nosso país.
A questão que se coloca é sabermos se de facto todos estes “incidentes” são isolados ou fazem parte de alguma “conspiração organizada”, conforme deixam claramente entender os pronunciamentos da oposição e não só.
Todos sabemos que faz parte do arsenal de qualquer oposição, por este mundo afora, a utilização da arma do empolamento e do exagero para se retirarem os necessários dividendos políticos com maior rapidez.
Descontando todos os exageros que possam, eventualmente, conter os referidos pronunciamentos da oposição, temos que convir, que há uma clara subida de tom em termos mais físicos por parte das autoridades.
Esta tendência para os músculos já não constitui propriamente uma novidade, pois ela é intrínseca à natureza do actual poder, que tem vindo a evoluir de forma muito lenta e contraditória, desde que aceitou, já lá vão mais de 14 anos, o desafio da democracia multipartidária.
Quanto à existência de uma “conspiração organizada”, somos de opinião que haverá mais uma daquelas “crises de excesso de zelo” por parte dos operadores do sistema, do que propriamente a execução de alguma estratégia de endurecimento devidamente planeada por algum cérebro mais vigilante colocado na estratosfera do regime.
Veja-se o caso da comunicação social estatal e das suas permanentes “falhas por omissão” (entenda-se censura) quando, por exemplo, negam a uns e dão em excesso aos outros.
Embora reconheçamos que possa haver alguma orientação estratégica, estamos mais inclinados em ver neste desempenho a marca pessoal do responsável pela área onde o “crime” foi cometido, que deste modo estará a lutar pela melhoria da sua imagem, com os consequentes ganhos pessoais que esta atitude lhe proporcionará.
Há neste momento uma emulação entre os diferentes pajens do regime que internamente querem afirmar-se, como sendo os mais fiéis e leais servidores.
O caso mais emblemático é, certamente, o do xará de Bento Bembe, sendo este último o exemplo perfeito das grandes semelhanças existentes na vida política entre alguns humanos e os animais invertebrados.
Ao nível do judicial sente-se igualmente esta emulação, sendo os seus resultados visíveis nas últimas condenações, depois de já termos vivido a fase das absolvições.
Na altura um dos mais conhecidos “advogados do diabo” da nossa praça chegou a afirmar, alto e bom som, que sempre acreditara na independência dos juízes.
Hoje, certamente, ele já não dirá o mesmo.
Para não exagerarmos muito, evitando andar a reboque da oposição, diremos, reconhecendo a gravidade da situação, que estamos diante de mais uma “crise de excesso de zelo”, que se vai agravar com a aproximação do Natal, por causa dos cabazes.
Tenham calma, pois, que isto poderá passar, embora os mais pessimistas estejam convencidos que esta crise se vai prolongar até a realização das próximas eleições.
Como ninguém ainda sabe quando é que vamos ter eleições, é melhor estarem preparados para uma crise de longa duração.