quinta-feira, 5 de novembro de 2009
(Flashback/Novembro 2006) E tudo começou com os "pasquins"...
Sobre a comunicação social privada deste país já ouvimos muitas cobras e outros tantos lagartos, já registamos toda a sorte de impropérios, ataques e calúnias, já levamos para casa alguns desaforos graves, apenas para não estragarmos o ambiente onde o “palestrante” dissertava do alto da sua burrice.
Até aqui nada de anormal, porque a democracia, mesmo na sua versão mais musculada e autoritária, que é aquela que estamos com ela, aceita de forma pacífica este tipo de pronunciamentos.
Aceita e estimula, sobretudo quando, no caso angolano, eles visam a malta que ousou desafiar, por sua conta e risco, a sólida e ameaçadora estrutura do monolitismo que imperava neste país há cerca de 15 anos, com os espectaculares resultados que se conhecem em termos de arejamento da nossa sociedade.
Bem hajam todos aqueles, os vivos, os mortos e os assassinados, que lançaram mãos à obra, apostando na criação de uma alternativa credível aos governamentalizados MDMs, verdadeiros e agressivos megafones do regime.
Só nos últimos tempos os MDMs têm emitido sinais que apontam para a sua transformação no serviço público de rádio e televisão que o país precisa urgentemente, mas cujo surgimento ainda está dependente da aprovação de mais um diploma qualquer previsto na nova lei de imprensa.
Diríamos pois, sem concordar com os detractores da imprensa privada, que está tudo bem no quadro da liberdade de expressão e de opinião, que, obviamente, contempla tudo isto e muito mais.
É evidente que a imprensa privada não é exactamente o local onde a virtude conheceu, namorou e se casou religiosamente com os bons costumes, sendo actualmente palco até de algumas lamentáveis e equivocadas actuações que não dignificam em nada os seus profissionais. Antes pelo contrário. Mas isto são outros quinhentos para uma outra ocasião para a qual também estamos bem preparados em nome da frontalidade e da transparência.
(…)
Vem toda esta conversa fiada a propósito do papel da imprensa privada em Angola e dos novos projectos que estão a surgir com o objectivo claro de se apresentarem como alternativas, alegadamente mais profissionais, e com um discurso preocupante para os fundamentos do pluralismo mediático entre nós.
O pluralismo que ainda é uma criança que todos queremos ver crescer para se afirmar como uma das melhores garantias da própria liberdade de imprensa.
Na óptica dos mentores dos projectos emergentes, exasperados com a impossibilidade de continuarem a exercer o anterior controlo político que tinham sobre o conjunto da comunicação social, a solução agora é investir no surgimento de “novos produtos” para abafar os actuais pela via da concorrência.
Finalmente!
Já não é mais possível o regresso ao passado, mas ainda se pode conseguir, por outras “vias mais inteligentes”, colocar alguma ordem no circo que é o que pode vir a acontecer, se o Estado não se comprometer seriamente com a defesa do pluralismo, evitando a concentração.
Aparentemente nada a contrariar, porque é exactamente isto o que se pretende e se recomenda, depois de termos andado todos estes anos a lamentarmos a ausência de investimento privado no sector da comunicação social, onde meia dúzia de carolas sempre endividados até ao pescoço, conseguiram manter de pé os tais “pasquins” até aos dias de hoje.
Foram eles, os “pasquins”, que acabaram por ser o primeiro e mais autêntico sinal revelador da existência em Angola de um mínimo de liberdade e democracia não tutelada.
O próprio Presidente José Eduardo dos Santos socorreu-se em Washington da existência destes “pasquins” para provar ao mundo que o seu regime já não era o mesmo do passado.
E pelos vistos conseguiu, graças a colaboração de todos aqueles que há alguns anos se lançaram na aventura de viver a liberdade de imprensa para além dos postulados constitucionais e dos discursos para esquecer no mesmo dia.
Imaginem pois o que é que seria da imagem política de Angola se estes “pasquins” não tivessem surgido, numa iniciativa exclusiva dos seus jornalistas que de facto correram todos os riscos, incluindo a própria vida, para afirmarem o seu direito de editarem livremente sem terem de passar por nenhum departamento mais especializado na verificação de conteúdos.
Que venham pois os novos projectos, que surjam os novos paladinos, que apareçam os novos profetas da qualidade jornalística.
Que venham mais cinco, mais dez ou mais vinte.
Que venham todos de além-mar, com chorudos e inacreditáveis contratos.
Que venham até os extra-terrestres de outras galáxias contratados a peso de ouro.
Mas que nunca se esqueçam que a liberdade de imprensa que hoje temos foi duramente conquistada por jornalistas angolanos que sempre acreditaram que este país algum dia se iria libertar da lógica do bom e do mau, dos becos da intolerância e das vielas da subserviência política para se afirmar apenas como uma terra de cidadãos com os mesmos direitos, independentemente das suas camisolas.
Ainda não chegamos lá.
Por vezes até parece que nos estamos a afastar deste grande objectivo tamanha é a ganância que vai por aí e que tudo sacrifica, inclusivamente a estabilidade do país, a favor de mais uns milhões que dificilmente serão “gozados” pelo beneficiário do trambique.
De uma coisa porém estamos certos.
Este caminho, que ainda vai a meio, jamais seria percorrido sem a presença desta imprensa privada, que é muito nossa e da qual muito nos orgulhamos, com todos os defeitos que lhe possam apontar.
O que não podemos aceitar é faltas de respeito e ordinarices por parte de quem já andou muito perto da sarjeta.
E muito menos de aprender com ele seja o que for.
Não exigimos condecorações em nenhum jardim de nenhuma cidade alta ou baixa deste país, onde os políticos se entregam a estranhos exercícios de auto-consumo medalhístico.
Mas também não admitimos certos abusos, porque quer os políticos queiram, quer não, também já merecemos o nosso pedaço de pão pelas sólidas pedras que soubemos colocar nos alicerces desta decepcionante segunda República.
2 comentários:
Anónimo disse...
Mas isso é um EDITORIAL ou é um conjunto de DESABAFOS?Com a concorrência os jornais de baixa qualidade vao perder clientes, e desaparecerao por si.
6 de Novembro de 2009 16:55
Wilson Dadá disse...
As duas coisas, Anónimo.
Numa situação normal de desenvolvimento da imprensa, a sobrevivência dos jornais depende das receitas das vendas directas e do investimento publicitário.
A qualidade dos projectos é determinante neste relacionamento que se deseja saudável com o mercado, mas ainda não é no caso de Angola.
O problema é que quanto menos receitas os jornais tiverem, menor será a sua capacidade de contratarem profissionais com o nível suficiente para garantirem a qualidade desejada e assim poderem concorrer em pé de igualdade.
Com algumas excepções, os projectos que actualmente têm esta capacidade mais ou menos garantida, é bom dizê-lo, ela é resultante, para já, dos investimentos iniciais dos seus "novos proprietários".
Com uma redacção com mais de cem pessoas, o JA só sobrevive graças ao investimento feito por todos nós, enquanto "tax payers".
6 de Novembro de 2009 19:34