O OPSA tem vindo a alertar para a necessidade de se prestar maior atenção a factores que possam afectar a sustentabilidade do desenvolvimento e de evitar o populismo e a demagogia, que levam por vezes à definição de metas demasiado ambiciosas pelo poder político ou a reivindicações irrealistas por parte dos cidadãos. Tem alertado também para modo como são definidas as prioridades na realização dos investimentos públicos. Agora é possível concluir, sem sofismas, que foi um erro o investimento nas infra-estruturas para o CAN, pois as consequências para a economia foram desastrosas.
Um indicador importante para avaliação do desempenho da economia angolana é a sua classificação no relatório do Banco Mundial intitulado Doing Business, que influencia as decisões dos investidores, e que em 2010 continuou muito débil, ficando em 163º lugar entre 183 países, ou seja, está entre as 20 piores classificadas, muito atrás de países da SADC, como a África do Sul (34º), o Botswana (52º) e a Namíbia (69º) (World Bank, 2011). Este facto deve ser motivo de profunda reflexão.
Convém reflectir sobre o que se passa com a agricultura para se entender as preocupações manifestadas sobre a sustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento. O crescimento do sector agrícola em 2010 foi estimado em cerca de 10%, o que corresponde aproximadamente à cifra de 10,7 % prevista. Esta realidade compromete definitivamente as ambiciosas metas traçadas pelo Executivo para 2012. Para além do irrealismo de tais metas, é necessário ponderar sobre as razões que contribuem para o modesto desempenho da agricultura angolana. E em primeiro lugar, o Executivo tem de reconhecer que a sua política agrícola não tem sido feliz.
Com a queda do preço do petróleo em 2008, o Governo decidiu diversificar a economia. Uma das medidas nesse sentido foi a aprovação, em Fevereiro de 2009, de um fundo de garantia para créditos à agricultura, sendo uma parte dirigida para o financiamento de operações correntes (crédito de campanha), no montante equivalente a 150 milhões de dólares, e outra para o investimento em infra-estruturas e equipamentos no valor de 200 milhões de dólares.
A primeira linha começou a ser implementada apenas em Setembro de 2010, tendo sido aprovados até ao mês de Março de 2011 créditos no valor de aproximadamente 30 milhões de dólares de que beneficiaram ou virão a beneficiar cerca de 17.000 pequenos agricultores, com uma média de pouco mais de 1700 dólares cada um, o que, sendo melhor do que nada, representa apenas cerca de 0,85% dos pequenos agricultores existentes. Além deste aspecto, o crédito de campanha, reconhecido como uma iniciativa crucial para os agricultores familiares, enferma de outros problemas que devem ser questionados. Dada a fragilidade do nosso mercado, principalmente no interior, os fornecedores locais, não suficientemente envolvidos no processo, não têm em stock as mercadorias para entrega aos agricultores; estes, na sua maioria, não possuem Bilhete de Identidade, o que não facilita a relação com os bancos; o valor máximo de US$5.000 é baixo para os agricultores de média dimensão; a presença de agências bancárias nos municípios é irrelevante. Um possível mapeamento dos beneficiários do crédito concedido poderá vir a revelar que estão provavelmente todos situados à volta das sedes provinciais e das dos principais municípios; finalmente, há um desequilíbrio de género, pois embora entre os agricultores familiares predominem mulheres, elas têm níveis de alfabetização mais baixos que os homens e estão pouco presentes nas comissões de gestão das associações e cooperativas, o que torna o acesso e a gestão de crédito mais difícil.
O início da implementação da segunda linha está previsto apenas para o mês de Maio de 2011, sob coordenação do BDA, estando definidos que os projectos a financiar deverão ter um tecto máximo de 500 mil dólares. Note-se, entretanto, que o BDA não recebe desde 2009 os 5% dos rendimentos do petróleo como prevê a lei que o criou, e isso fez com que há mais de dois anos não sejam financiados projectos de desenvolvimento por aquele banco público. Do mesmo modo, e tal como o OPSA assinalou há cerca de um ano, o Programa de Comércio Rural, fundamental para o aumento da produção agrícola familiar e para o combate à pobreza nas áreas rurais, aprovado pelo Conselho de Ministros no primeiro semestre de 2009, ainda não começou a ser implementado, não estando a ser dadas explicações aos cidadãos e verificando-se que a comunicação social também não questiona a situação.
Entre os investimentos de grande vulto que estão a ser feitos com recurso a empréstimos da República Popular da China encontram-se os perímetros irrigados, dado que o Governo, na linha de crescimento acelerado, acredita que a irrigação pode ser a solução para as irregularidades climáticas. Desde 2005 foram investidos cerca de 110 milhões de dólares em tais perímetros e os resultados até agora alcançados estão muito longe das expectativas. Com efeito, o investimento em regadio exige esforços complementares no desenvolvimento de estruturas e serviços adequados a uma agricultura moderna e competitiva, o que é incompatível com as fragilidades que subsistem na solução de problemas tão elementares como a fertilidade e correcção dos solos, ou o acesso a sementes de qualidade ou ainda a protecção de plantas contra pragas e doenças.
Assim sendo, a produtividade das culturas praticadas é forçosamente baixa e a rentabilidade dos investimentos em regadio posta em causa. Não obstante a modéstia dos resultados obtidos, o Governo elaborou o Programa Nacional de Irrigação para cerca dos três milhões de hectares de terras dispersas por todo o território, em 25 anos, com um investimento de mais de 50 mil milhões de dólares.
A facilidade com que o Governo investe em grandes projectos contrasta com as dúvidas dos investidores estrangeiros. Recorde-se que o investimento privado no sector agrícola representou apenas 2% do total do investimento privado negociado com a ANIP em 2009, por alegada falta de motivação dos investidores para canalizarem os seus interesses para a agricultura e nada permite pensar que a situação se tenha alterado em 2010. Tudo isto aponta para o questionamento da actual política agrícola e das estratégias para a sua implementação.
In "REFLEXÃO DO OPSA SOBRE A EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO POLÍTICA, ECONÓMICA E SOCIAL EM ANGOLA DE ABRIL DE 2010 A MARÇO DE 2011"