[De acordo com a ministra, a liberdade de expressão está sujeita a limitações, resultantes da colisão com outros direitos fundamentais, com igual valência normativa como o direito ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e ao desenvolvimento da personalidade.
Segundo Carolina Cerqueira, além destes direitos, se deve ter em conta que gozam de protecção jurídica outros bens de natureza supra individual, correspondente a interesses gerais da comunidade, como a Segurança de Estado, a realização da justiça ou a paz e a humanidade. "Não podemos ignorar estes princípios durante as discussões que estabelecemos, uns mais apaixonados que outros, cuja medida não deve ultrapassar os limites da ética, deontologia e responsabilidade social", referiu.]
Estas referências recentes da Ministra da Comunicação Social foram feitas depois do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) se ter posicionado (criticado) publicamente em relação ao processo de consulta pública sobre o pacote legislativo da comunicação social.
Pelos vistos a "tutela" não gostou muito do pronunciamento, o que era mais ou menos previsível, embora o comunicado do SJA tenha sido bastante claro na identificação da "árvore" para não haver confusão com a "floresta" que foi devidamente salvaguardada e até elogiada.
O problema é que temos algumas "árvores" que circulam nos corredores do poder que chegam a ser mais influentes/poderosas que a própria "floresta".
São estas "árvores" que nos preocupam efectivamente, sobretudo quando assumem funções de assessoria ao mais alto nível.
Desde logo importa aqui esclarecer que a batalha do SJA está em perfeita consonância com as palavras da Ministra, contra as quais não há nada a reclamar nem a contestar.
Todos temos (ou deveríamos ter) essa noção fundamental que é a limitação de direitos e da sua combinação com os deveres, quando se vive numa sociedade democrática, sem a qual, aliás, a coabitação pacífica e a paz social seriam meras quimeras.
Não é isso que o SJA defende, nem poderia ser.
Agora a Ministra ao fazer o levantamento dos bens protegidos, que correspondem a interesses gerais da comunidade, como a Segurança de Estado, a realização da justiça ou a paz e a humanidade, esqueceu-se que só com a boa governação é possível estar-se a altura das expectativas da sociedade.
Não temos qualquer dúvida em afirmar que entre nós, ninguém melhor que a comunicação social/jornalistas tem contribuído para que este país seja melhor governado no interesse público, o que nem sempre acontece a ter em conta os altos níveis de corrupção institucionalizada e a falta de transparência na gestão dos recursos, a par de uma gritante injustiça ao nível da distribuição do rendimento nacional.
A Ministra "esqueceu-se" que o maior interesse geral da comunidade é pela boa governação e que é em nome dela, que a lei exige que todas as empresas e órgãos de comunicação social têm a responsabilidade social de assegurar o direito dos cidadãos de informar, se informar e ser informado, nos termos do interesse público."
Nestes termos, um dos fins gerais perseguido pela informação jornalística que se produz, tem a ver com a "promoção da boa governação e a administração correcta da coisa pública".
É exactamente aqui que começa e termina o problema que algumas pessoas não querem ver/entender, quando o SJA defende a descriminalização da actividade jornalística, optando por colocar o Sindicato numa situação absurda, como a de defender liberdades absolutas ou estatutos de privilégio para a classe.
Esta táctica, a de colocar o adversário numa posição absurda para depois criticá-lo vitoriosamente, é bem conhecida e já foi utilizada ao longo da nossa história com consequências algumas vezes trágicas.
Felizmente que o novo Código Penal, (o ante-projecto está actualmente em consulta pública) já dá um tratamento mais adequado a coabitação dos direitos fundamentais nesta matéria.
O que está em causa é o conflito entre o direito de informar versus o direito à honra (estima social, prestígio e auto-estima).
Sabendo-se que os dois nem sempre coabitam de forma pacífica, o legislador no caso do crime de difamação, que é aquele que mais é usado para processar judicialmente os jornalistas, despenaliza os profissionais ao considerar que o "agente não é punido sempre que: a) a imputação do facto ofensivo for feita para realizar interesses legítimos; b) fizer prova da verdade dos factos ofensivos imputados; c) tiver fundamento sério para, agindo de boa fé, considerar verdadeira a imputação. 4. Considera-se que o agente não age de boa fé, se não cumprir o dever de se informar sobre a verdade dos factos imputados que as circunstâncias lhe impunham. 5.O disposto no nº3 não é aplicável quando a imputação disser respeito a factos relativos à intimidade vida privada ou familiar."
Pelo que aqui está transcrito, pouco mais haverá para acrescentar ao que o SJA pretende em matéria de descriminalização da actividade jornalística, pelo que será pacifica a introdução no futuro Estatuto do Jornalista de uma cláusula, provavelmente no artigo 7º (Direitos Conferidos pela Carteira Profissional), que permita ao jornalista evocar o interesse público quando for acusado de ter difamado alguém.
Este recurso não pode ser gratuito, pois sabemos que são várias as situações em que os jornalistas incorrem efectivamente na prática do crime de difamação.
Diante do que está no CPP, esta sugestão pode parecer uma redundância, mas quanto a nós ela é absolutamente necessária, para chamar a atenção, sobretudo do poder judicial, para a especificidade da actividade jornalística. Importa referir que no Código não é feita nenhuma referência mais específica a actividade jornalística, como sendo um meio para realizar interesses legítimos.