quinta-feira, 24 de maio de 2012

A lição que o Ernesto Bartolomeu já se esqueceu...

A propósito da acção de formação (cobertura de eleições) para jornalistas que está a decorrer em Talatona, numa iniciativa do Ministério da Comunicação Social/CEFOJOR lembrei-me de um pequeno/grande incidente que aconteceu há exactamente quatro anos no âmbito de uma iniciativa idêntica.
Lembrei-me antes de mais por causa do Ernesto Bartolomeu (EB) que surge neste novo projecto como prelector/formador.
Na altura, há quatro anos, o EB era mais um, como todos nós, que estávamos na plateia a ouvir e a questionar o jornalista luso-americano Luís Costa Ribas, que este ano voltou a ser convidado para vir até cá falar-nos da sua experiência.
Hoje o EB, para além do mais, é o principal responsável pela informação que a TPA nos transmite.
Uma informação que, note-se, se tem revelado muitas vezes intragável do ponto de vista da observância dos mais elementares princípios que o jornalismo nos obriga respeitar, por razões óbvias. De outra forma mudamos de campo, sem sair da comunicação social, onde também há de tudo e para todos os gostos, encomendas e estratégias.
Na altura o EB, por causa da frontalidade com que apresentou as suas questões, que eram apenas resultantes da a mais pura constatação da realidade que se vivia na TPA e que ele conhecia como as suas mãos, foi suspenso e transferido de área. Fez a chamada travessia do deserto.
Quem diria que algum tempo depois, cerca de dois anos, o EB seria ele próprio o responsável pelo tipo de informação que ele naquele seminário no anfiteatro do CEFOJOR soube denunciar com invulgar coragem para época, uma época que pelos vistos não mudou muito até aos dias de hoje.
Como os problemas se mantêm os mesmos, achei oportuno ir aos os meus arquivos recuperar um texto que escrevi em Maio de 2008, onde retrato o que se passou naquele dia com o EB no CEFOJOR.




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“Podem-me queixar ou já sei que vão me queixar” 
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Mais palavra, menos palavra, foi com esta sintomática expressão, que estamos aqui a citar de memória, que Ernesto Bartolomeu, o mais conhecido e famoso jornalista angolano de todos os tempos, “se confessou” diante de todos nós. 
Nós, os que na passada terça-feira enchíamos por completo o auditório do Cefojor, onde decorria a primeira sessão do animado seminário sobre jornalismo e eleições, promovido por aquele centro de formação afecto ao Ministério da Comunicação Social.
Em breves minutos e socorrendo-se, obviamente, da realidade que ele tão bem conhece, o nosso Bartolas esfarelou por completo, naquele momento, todas as lições sobre jornalismo e cobertura de eleições que não tenham em conta o país real que é Angola.
Chega de cátedras e de conversas fiadas!
De facto, disse-o claramente, de nada adianta estarmos a discutir o assunto do ponto de vista dos princípios, das normas e dos manuais, se depois, quando nos transferimos para o quotidiano das redacções, tudo é feito exactamente ao contrário.
É o que, pelos vistos, acontece na Televisão Pública de Angola, onde a tampa do caixote de lixo continua a ser a serventia para muita informação que, mesmo depois de recolhida e tratada pelo repórter, não chega ao conhecimento dos seus destinatários. Mesmo às vezes com apenas um minuto, depois da peça ter sido reduzida à sua mínima expressão em televisão. Menos de um minuto também é possível, mas já ficaria um pouco mais difícil disfarçar a esterilização do material apresentado, até porque o público angolano que consome televisão já não é tão tanso como alguns ainda julgam que é.
E isto acontece apenas porque o editor de serviço achou por bem enviar uma determinada peça para o laboratório (quarentena) ou para o arquivo morto. Ponto final, paragrafo.
Na TPA são os editores de serviço (e não os factos) quem, afinal de contas, faz a informação acontecer, de acordo com as suas preferências, orientações e outros critérios que, definitivamente, não constam de nenhum manual da especialidade nem são discutidos em nenhum seminário sobre desempenho profissional.
A isto, com todas as letras, chama-se CENSURA!
Foi esta a grande lição de verdade jornalística, transparência profissional e honestidade intelectual que o Ernesto Bartolomeu nos deu na passada terça-feira, onde o prelector era um experiente jornalista luso-americano de televisão, o Luís Costa Ribas que, com os seus pronunciamentos sobre as eleições de 92 terá, certamente, deixado a UNITA a beira de um ataque de nervos.
Diante dos factos que lhe foram apresentados pelo “jovem” Ernesto, o veterano Costa Ribas teve um conselho final.
Quando tal acontece o jornalista só tem uma saída: É bazar!
É mudar de empresa ou mesmo de profissão.
Contrariamente ao que acontece nos dois países do Costa Ribas, em Angola, o único que possuímos, como se sabe, quem trabalha na televisão não tem possibilidades de se transferir para a concorrência, embora com o Canal 2 já tenham a começado a surgir outras possibilidades dentro do mesmo “labirinto”, se o “General” permitir, é claro.
Em Angola a solução é o desemprego que muito poucos ou quase nenhuns estão em condições de abraçar com alguma firmeza e determinação.
Depois das previsíveis queixas, esperemos que não aconteça nada de ruim ao Ernesto Bartolomeu na sequência das suas “confissões” em directo para todos nós.
No caso concreto nem sequer terá havido necessidade de alguém ir queixar, pois estavam todos lá, o que conferiu uma relevância ainda maior ao seu corajoso pronunciamento.




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O efeito de boomerang
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No caso vertente e no prosseguimento da “aula” do Bartolomeu, é urgente que os “camaradas” da TPA entendam que não é assim, com tanta tesourada, que se serve de forma inteligente a causa do comité de especialidade.
Não é silenciando por completo a voz dos outros que a nossa vai ser melhor ouvida, compreendida e aceite.
Isto é propaganda tosca que já faz parte do passado, mas que, pelos vistos, está a regressar e em força, tamanho é o inexplicável (ou compreensível?) nervosismo que anda por aí.
A nossa voz será sempre melhor aceite (de forma mais convincente) se ela tiver um termo de comparação, o que só é possível com o debate permanente de todos os temas importantes para o futuro do país.
Sua Excelência, o Debate Político Contraditório, é o grande ausente, nesta altura, da grelha da TPA.
Os angolanos 15 anos depois das primeiras eleições e após tanto tempo de sofrimento mudaram radicalmente a sua forma de encarar a relação com a média e com as suas correspondentes mensagens.
O excesso de presença de uns no pequeno ecrã, aparentemente, pode ser a solução ideal para determinados propósitos. Mas só mesmo aparentemente, sendo aconselhável neste âmbito o estudo do chamado efeito de boomerang.
[Efeito de boomerang: fenómeno de rejeição que se verifica, ás vezes, quando a técnica utilizada ou a mensagem difundida não agradam e produzem no receptor um efeito negativo e oposto, inversamente proporcional aos esforço feitos num certo sentido. A campanha publicitária não só não marca pontos, como também os perde na proporção dos seus esforços. Por exemplo, as campanhas anti-tabaco que, a certa altura, aumentaram o consumo dos mesmos.
Isto verifica-se quando se despertam indirectamente as resistências psicológicas a um determinado produto ou ideia, quando as formas utilizadas para atrair a atenção ferem costumes ou convicções religiosas. As leis da repetição e da vivacidade, quando mal aplicadas, são as mais atreitas a este fenómeno
- Leis gerais da comunicação e específicas da Publicidade -J. Martins Lampreia/ 2007) ]
Esta recomendação de estudo é dirigida particularmente ao núcleo duro do Comité de Especialidade da TPA, sabendo à partida que nem todos naquela casa pensam da mesma forma. Ainda bem que assim é.
Mais importante do que tudo isto, é o apelo que acaba de ser dirigido pelo CNCS no sentido da comunicação social tudo fazer, que estiver ao seu alcance, para evitar transformar-se em mais um factor de conflito pré-eleitoral, que parece que é o que já está a acontecer.
(Maio 2008)