Terça-feira (20/1) o mundo parou para ver e ouvir Barack Obama.
Ver Barack a ser empossado como 44º Presidente do EUA, ouvir Obama a dizer-nos como vai governar a maior potência do planeta, o que desde já o coloca na condição do novo homem mais forte do mundo.
“Continuamos a ser o país mais próspero e poderoso à face da Terra”- reiterou Obama.
Trata-se de uma condição que actualmente já é mais aparente do que real, sobretudo depois do 11 de Setembro, constatação que o próprio Barack incorporou no seu discurso e transformou numa das pedras de toque da sua nova estratégia internacional.
Os Estados Unidos não podem continuar a relacionar-se com o mundo conforme lhes dá na real gana e em função dos azeites de quem se encontra a morar na Casa Branca. A simbólica e corajosa sapatada que marcou a despedida de George Bush fala bem da saturação do mundo em relação às movimentações globais dos EUA, particularmente nos últimos oito anos.
“Só o nosso poder não basta para proteger-nos, nem nos dá o direito de fazermos o que nos apetece”- reconheceu Obama numa das mais profundas auto-críticas assumidas por um estadista que já tivemos a oportunidade de registar nos anais da história contemporânea.
E aqui não estamos a falar de um estadista qualquer…
Sem ter feito propriamente um discurso pacifista, Barack Obama não ameaçou ninguém, embora tenha deixado alguns avisos à navegação dos principais inimigos/adversários do seu país. Também não poderia ser de outra forma no actual contexto.
Os poucos avisos feitos acabaram, entretanto, por ser “afogados” pela maré de apelos ao diálogo e à cooperação lançados por Obama em todas as direcções, incluindo na dos inimigos mais declarados pela anterior administração com o seu famigerado “eixo do mal”.
De facto há muito que não ouvíamos de um inclino da Casa Branca palavras tão reconciliadoras, tão amáveis e tão simpáticas como foram aquelas que Barack Obama pronunciou esta semana a alimentar efectivamente muitas e positivas expectativas em relação ao que será a “realpolitik” externa do 44º Presidente dos EUA.
Sabemos todos que Obama, mesmo que quisesse, não poderia fazer nenhuma revolução nos EUA.
E ao que sabemos Obama não quer (para já) fazer nenhuma ruptura mais acentuada com os valores mais enraizados no topo da sociedade norte-americana, porque sabe que muito dificilmente sobreviveria a ela. Os seus inimigos internos estão a espera da primeira oportunidade para lhe saltarem em cima.
Terá sido para os acalmar e para se proteger politicamente que Obama fez o aviso mais duro do seu discurso quando afirmou: “Não pediremos desculpas pela nossa forma de viver, nem recuaremos na sua defesa e para aqueles que procuram avançar os seus objectivos provocando terror e matando inocentes, dizemos que agora a nossa coragem é mais forte e não pode ser quebrada, não podem sobreviver-nos e nós derrotá-los-emos”.
Obama, antes de mais, quer “provar” que é tão ou mais americano como todos aqueles que não acreditam na sua autenticidade, na sua genuinidade, na sua americanidade e que acham que eles é que são os verdadeiros americanos, sendo todos os outros, pessoas a abater, a perseguir ou a expulsar.
Os “genuínos” de lá são iguais aos de cá e de acolá, preocupados apenas em ver na cor da pele e no tamanho da nariz (raça) as únicas impressões digitais válidas para definir e condicionar, visando no fundo apenas a exclusão da diferença.
Obama quer “provar”, se é que ainda precisa de provar alguma coisa que a América já não é mais propriedade exclusiva dos descendentes directos de Bufallo Bill e dos conquistadores do “wild west”. Aliás, os grandes responsáveis pelo quase extermínio dos únicos americanos que poderiam ser considerados realmente genuínos e autóctones, porque todos os outros com a excepção dos negros, foram de facto e de jure invasores da América e violadores dos direitos dos ameríndios.
Como se sabe, os negros foram os únicos americanos (não genuínos) que nunca o desejaram ser, pois foram retirados de África à força para serem metidos em infames navios negreiros rumo às plantações de algodão do sul da América.
Obama também não é descendente destes africanos. Obama não tem o estigma das grilhetas, nem o peso da humilhação e muito menos o complexo da escravidão, por isso também nem sempre é bem visto por alguns sectores mais radicais da chamada comunidade afro-americana.
O seu pai (já falecido) chegou a América há pouco mais de meio século, como um cidadão negro, africano, livre e culto. Casou com uma branca e fez um mestiço que hoje é o Presidente dos EUA. É, claramente, uma história que só é possível acontecer na América.
Foi certamente a pensar no seu progenitor, que ele mal conheceu, que Obama se recordou de África na única referência indirecta que fez ao nosso continente no “discurso da inauguração”.
“A todos os outros povos e governos que nos estão a ver hoje, das maiores capitais à pequena aldeia em que o meu pai nasceu, fiquem a saber que a América é amiga de cada país, cada homem, mulher e criança que procura um futuro de paz e dignidade e estamos prontos a liderar mais uma vez.”
Foi muito pouco, foi mesmo decepcionante para quem esperava que ele dedicasse um pouco mais de atenção às suas origens, falando de um continente que continua muito ausente das agendas mundiais, onde só aparece na sequência de mais um sangrento conflito pós-eleitoral ou de um golpe de estado.
Seja como for, foi uma referência bastante positiva e cheia de esperança no âmbito da mudança de um discurso, de uma orientação e de uma praxis (a ver vamos) que quer fazer com que a América não mais se afaste do mundo para caminhar com ele, solidária com as causas mais nobres da Humanidade.
“O mundo mudou e nós devemos mudar também”- apontou Obama.
A forma respeitosa e inclusiva (olhos nos olhos, de igual para igual) como ele se dirigiu a esse mesmo mundo na sua diversidade étnica, religiosa, política e social, um mundo que afinal de contas começa dentro da sua grande América, foi para nós o grande momento da sua retórica, o grande momento do reencontro que a América de Obama quer celebrar com todos os não-americanos de nacionalidade, que afinal somos todos nós.
Nós que continuamos a ter na América uma grande referência para o bem e para o mal.
Nós que gostaríamos de acreditar que Barack Obama vai fazer a diferença pela positiva.
“Sabemos que a nossa herança de retalhos é uma força e não uma fraqueza. Somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindus e descrentes. Somos moldados por todas as línguas e culturas de todos os cantos da Terra e, porque provámos o gosto amargo da guerra civil e da segregação e emergimos desse capítulo negro mais fortes e mais unidos, temos que acreditar que os ódios antigos um dia acabam, que as linhas da tribo em breve desaparecem, que à medida que o mundo fica mais pequeno a nossa bondade comum se revela e que a América deve desempenhar o seu papel anunciando uma nova era de paz”.