“No que toca às demais rádios, enfatizou , a lei de imprensa recomenda a instalação de rádios em "FM", a nível do território nacional, que tenha uma extensão entre 25 a 30 quilómetros. "Quanto aos pedidos para a instalação de uma rádio numa dada província não encontramos nenhuma dificuldade", ressaltou a fonte, notando que "a instalação de uma Rádio em FM numa província obedece a critérios próprios"- Wadijimbi, citado pela Angop.
Costuma dizer-se que é pela boca que morrem os peixes.
As recentes declarações do vice-ministro da Comunicação Social, Miguel de Carvalho (Wadijimbi) a propósito da extensão do sinal da Emissora Católica de Angola (ECA) a todo o espaço nacional são bem um exemplo de como, de facto, os nossos peixes em Angola continuam a morrer pela boca.
Não se trata, no caso vertente, de uma morte física e muito menos de um desejo do escriba de serviço que, como todos sabem, nutre pela vida de todos os seres humanos, sem excepção, o maior respeito para além de todas as divergências e makas do passado, do presente e do futuro. Nem sempre a inversa tem sido recíproca, num país onde a vida dos seus cidadãos já valeu menos do que um espirro.
A analogia com os saborosos peixes do nosso imenso mar e dos nossos intermináveis rios, serve aqui, tão-somente, para recordarmos aos nossos políticos que a memória existe e deve ser respeitada; que a memória, por ser altamente estruturante, tem uma grande utilidade e que o grande drama de qualquer ser humano é terminar os seus dias sem memória, com o terrível e devastador mal de Alzheimer.
A nível das instituições, um país sem memória funciona mal, muito mal mesmo, porque corremos todos, o risco, de passar a vida a dar o dito pelo não dito, sem que ninguém nos diga que nos estamos a esquecer de compromissos importantes.
Mais grave do que isso, quando não há memória, quando tudo se subordina à lógica da conjuntura e dos interesses, deixa de haver palavra de honra.
Uma sociedade sem memória e sem honra é o fim da picada.
Lamentavelmente a Angola das instituições oficiais está a caminhar por esta via tortuosa.
Claramente Wadjimbi e todos quantos como ele se têm pronunciado da mesma forma em relação à extensão do sinal da ECA, “esquecem-se” de uma decisão tomada pelo Governo já na segunda República, ao abrigo da qual o Estado angolano reconheceu os direitos que a Emissora da Igreja já possuía durante o tempo colonial.
O processo de (re)legalização da ECA, mais de 20 anos após ter sido extinta pelo MPLA, na ressaca do 27 de Maio de 1977 decorreu, pois, deste reconhecimento de direitos adquiridos não podendo agora ser enquadrado na actual legislação, sob pena de ignorarmos alguns princípios fundamentais do próprio direito.
Ao abrigo dos direitos reconhecidos, a ECA foi em 1993 autorizada a utilizar todas as frequências que possuía antes da sua extinção e nacionalização do seu património pelo Decreto Presidencial Nº 5º/78 de 25 de Janeiro de 1978. Até então a ECA transmitia em FM, Ondas Médias e Ondas Curtas.
Os documentos que existem não podem ser ignorados por ninguém e muito menos por uma pessoa de bem, que é o próprio Governo, como gosta de ser apresentado.
Convém pois, que os recordemos aqui para que não subsistam dúvidas em relação ao assunto que nos traz hoje a terreiro. (Ler docs mais abaixo em PS)
Em relação às alegadas facilidades com que a FMs podem transmitir localmente, devendo para o efeito os interessados solicitarem as respectivas autorizações, Wadijimbi voltou a “esquecer-se”, pois sabe, certamente, que são mais do que muitas as dificuldades, as barreiras e as esquindivas.
Vários são os projectos que já deram entrada nas instituições competentes, sem que até agora alguma autorização ainda tenha sido emitida, com a excepção da Rádio Mais (RM).
Pelo que sabemos a resposta negativa que os interessados têm recebido passa pela inexistência da prevista legislação complementar (concurso público) que, segundo os despachos exarados, ainda não permite o adequado tratamento das solicitações.
Primeiro não se percebe ao abrigo de que disposição a RM foi autorizada a transmitir em Luanda e agora no Huambo.
Depois, de facto, não fazem muito sentido as “explicações” do Vice-ministro da Comunicação Social quanto à normalização deste processo apenas para tentar contrariar as reivindicações da ECA e dos fiéis católicos que querem ter a sua estação a transmitir em todo o país, antes de mais, ao abrigo do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A não ser, que Wadijimbi tenha querido dizer que para já só serão autorizados os projectos que estejam de acordo com a grande linha editorial definida superiormente pelo seu Ministério.
Como a Lei não faz qualquer exigência nesse sentido, nem poderia fazer, fica-nos o sabor amargo de estarmos apenas diante de um verdadeiro embuste que prossegue dentro de momentos.
PS:
O incompleto processo de legalização da Ecclésia
1-SECRETARIADO DO CONSELHO DE MINISTROS
Em Luanda 26 DE Fevereiro de 1992
Ofício nº 101/04.40.30/SPS/SCM/91
PROJECTO DE DECRETO QUE ANULA A DECISÃO QUE NACIONALIZOU AS INSTALAÇÕES DA RÁDIO ESCOLA
Cumpre-me informar que a Comissão Permanente do Conselho de Ministros na sua 5ª sessão extraordinária dos dias 18 e 19 de Fevereiro de 1992, ao analisar o documento sobre o assunto em epígrafe, decidiu o que a seguir se transcreve:
-Anular a decisão tomada naquela altura com vista a devolução daquele imóvel a Igreja Católica –
O SECRETÁRIO
Dr. José Leitão da Costa e Silva
2-DECLARAÇÃO
Para os devidos efeitos se declara que a Rádio Ecclésia – Emissora Católica de Angola, foi autorizada por Despacho de 30 de Setembro de 1993 de Sua Excelência o senhor Ministro da Comunicação Social, a realizar as suas emissões em Frequência Modulada., Onda Media e onda Curta.
A presente declaração substitui para todos os efeitos legais o ALVARÁ PROVISÓRIO.
Por se verdade, mandei passar a presente que por mim assinada, se autentica com o carimbo em uso neste Ministério.
GABINETE DO MINISTRO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Em Luanda aos 30 de Setembro de 1993
O Ministro
Pedro Hendrick Val Neto
3-DECLARAÇÃO
Para os devidos efeitos, se declara que à Rádio Ecclesia (Emissora católica de Angola) foram concedidas as frequências Onda Media 944KC/S ; Onda Curta 4985KC/S60 metros, FM- 97.5MC/S.
Por se verdade e me ter sido solicitada, mandei passar a presente declaração que assino e autentico com o carimbo à óleo em uso neste ministério.
DIRECÇÃO NACIONAL DE INFROMAÇÃO DO MCS, em Luanda, ao 18 de Novembro de 1993.
O DIRECTOR
José Luís de Matos
1 comentários:
Gil Gonçalves disse...
Os Jingola acessavam uma emissão de rádio, onde amiúde proclamavam, desabafavam vicissitudes incomensuráveis. Apesar dos esforçados Politburo para a silenciar, ela resistia bravamente. Era o rumo dos sem rumo, assim divinizavam a Rádio Oráculo. Alguns casuístas comparavam-na a Asterix o Minigaulês, que resistia arrumado, aprumado num cantinho sombreado da mafumeira. Os Politburo rabulavam que a Rádio Oráculo era o seu calcanhar de Asterix. Os circuitos telefónicos mais íntimos da governação, paladinavam que era o calcanhar da função do real. Jingola propagandeava a epidemia de cólera, que militava com muitos aderentes para o interior do reino. Como praga ratada sem navios mercantes. Frechei-me com grande constrangimento: ninguém ousou explicar que a principal causa da cólera… é a fome. A epidemia cadastrou ao infinito de Jingola. A Rádio Oráculo solicitou anuência para implementar o seu feixe hertziano a todos os ouvidos do reino, para que as populações se informassem, acautelassem, sanassem a epidemia. Os Politburo liminarmente recusaram. Cartaram, selaram, pergaminharam para a Rádio Oráculo.Reverendíssimas Excelências da Rádio Oráculo:Havemos um contrato com o barqueiro Caronte. A epidemia da cólera faz as vítimas suficientes, as almas que o barqueiro necessita a contento. Sentimo-nos felizardos.Se o sinal da vossa fé se digladiasse pela rádio e por todo o reino se espalhasse, não cairiam vítimas da cólera. Contamo-nos peremptórios firmados, e esse vosso pretenso vento é, não aceite.Alvejamos a certa teologia do querem ir mais longe, para além das redondezas, dos limites de Delfos. As distâncias curtas por vezes tornam-se longas.Permitimos que funcionem devido à frequência democrática que nos foi imposta. Encetámo-la no compêndio das contrariedades.Estendemos-lhes um dedo, agora querem a mão, depois o corpo.Para convencer que somos democratas, anunciámos que se realizariam eleições. Notem bem: que se realizariam… em qualquer momento, em qualquer época. Tudo depende da nossa íntima vontade. Não é a claridade de qualquer oráculo que nos leva ao cume solar, datar eleições. Uma coisa é incerta: o principio da incerteza eleitoral.Os nossos insignes marinheiros vigiam atentamente as proas do vosso ecletismo. Pretendem entreabrir a janela da noite escura, para a missa de manhã. Fazer muita luz, para jorrar nos espíritos. Com tanta vela por aí à disposição. Estamos à vela.Abundantes Saudações Revolucionárias.Jingola, Frimário, Ano II.Ano da Vida Incerta.Resposta da Rádio Oráculo:Depois de consultado o Oráculo revelou-nos:Parafraseando o perfume opiado, marxista de Bertolt Brecht, condizemos: Há governantes que são corruptos num dia, e são bons.Há outros governantes que são corruptos durante um ano, e são melhores.Há outros governantes que são corruptos durante muitos anos, e são muito bons.Mas, há outros governantes que são corruptos toda a vida… esses são os imprescindíveis.Mutam-se os climas, mudam-se as tempestades. Tudo é composto de ciclones.Injectadas saudações.
O Directório.Jingola, 9 Termidor.
Ano da emissão da nossa Rádio a todo o Reino.
13 de Julho de 2009 3:31