quarta-feira, 1 de julho de 2009

(Flashback Julho/2007)-O sermão do Frei João Domingos dirigido aos nossos peixes trungungueiros

Em Angola crescem as preocupações em relação à forma menos transparente e pacífica como uma minoria de angolanos, que se confunde com o próprio poder político, tem estado a acumular riqueza. Esta movimentação está a acontecer num contexto socio-económico marcado pela existência de uma enorme mancha de pobreza, miséria, desemprego e criminalidade que não dá mostras evidentes de estar a recuar. O mais recente alerta para esta chocante e contraditória realidade foi feito no último fim-de-semana pelo frei dominicano João Domingos na homilia que proferiu domingo numa das igrejas da capital angolana. João Domingos, de nacionalidade portuguesa, a dirigir neste momento uma das mais importantes instituições educativas da igreja católica em Luanda, tem-se destacado neste tipo de abordagens pela profundidade com que equaciona o problema da riqueza versus pobreza, sobretudo em termos de consequências negativas para o equilíbrio social e a paz nacional. É fácil perceber nas suas palavras a grande preocupação com o que poderá vir a ser a reacção menos controlada das populações mais pobres em Angola diante da ofensiva dos ricos resguardados pelo poder político. Uma ofensiva que agora tem na ocupação das terras quer urbanas quer rurais, um pouco por todo o país, a sua principal linha de força, de ataque, já com bastante violência à mistura e algumas vítimas a lamentar. João Domingos, o “Frei dos Pobres” como já foi apelidado por alguma imprensa luandense, voltou no passado domingo a falar da insatisfação dos pobres pela forma como as terras mais produtivas e mais rentáveis têm estado a passar para o domínio da propriedade privada dos novos ricos angolanos. “Nós estamos a assistir a ambição da grandeza, a ambição da riqueza, que não olha aos pequenos, que não olha aos pobres. É assim que queremos um país em paz? Achamos que assim o povo vai ficar caladinho e feliz? O povo não pode estar feliz, porque ele vê, tem olhos abertos, está a ver…” No que toca à gestão das terras, Frei João Domingos chegou ao ponto no seu sermão de dar alguns conselhos mais técnicos aos ricos para deixarem alguma coisa para os pobres, algumas migalhas de terra. “Dizem que só os ricos é que podem fazer produzir as grandes terras. Muito bem, mas por favor deixem a terra perto das aldeias, perto das vilas ao povo, para que ele cultive perto de casa. Não se canse nos caminhos, não ande com pesos às costas tantos quilómetros. A terra junto às populações devia ser respeitada para as populações. E a esses grandes ricos então, outras terras, mais longe, onde eles podem ir de carro, podem ir de tractor. É mais fácil para eles andar longe, do que o povo andar a pé tantos quilómetros.” Frei João Domingos da Igreja Católica preocupado com o processo de enriquecimento em Angola, tendo como referência principal a forma como as terras urbanas e rurais têm estado a passar para as mãos de uma minoria de angolanos em detrimento dos interesses e direitos da maioria. A semana passada uma outra voz afecta a igreja católica manifestou idênticas preocupações com o comportamento do binómio riqueza/pobreza em Angola. No mais recente relatório sobre a economia angolana, os investigadores da UCAN consideram que, neste contexto, tem sido pernicioso o papel do poder político ao reservar as melhores oportunidades à aristocracia que se instalou na sua órbita de influência. O Relatório diz claramente que o Governo é responsável pela situação de pobreza por não estar a democratizar as oportunidades de enriquecimento. Nunca é demais alertar os “nossos trungungueiros” para esta preocupante realidade embora saibamos que o sermão do Frei João Domingos parece semelhante aquele que o seu patrício, um tal de Padre António Vieira, fez há mais de 400 anos no Brasil dirigido aos peixes. “Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa da corrupção? Ou é porque o sal não salga ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal!” De sermões hoje estamos conversados. Só esperamos é que o comité de especialidade não resolva agora incluir o nome do Frei na lista negra das associações e ongs nacionais e estrangeiras que dentro de mais alguns meses vão deixar de poder sobrevoar no nosso espaço rasteiro sócio-politico por não estarem em conformidade com a cartilha oficial que se prega em Luanda. (Julho-2007)