quinta-feira, 16 de julho de 2009
(Flashback/Julho 2007) Em defesa da Taag, a nossa companhia (que dá) bandeira
Há pouco mais de um mês numa das mais obscuras e abandonadas cidades de Angola, Mbanza Congo, um avião da TAAG despistou-se. Morreram cinco ou seis pessoas. Dezenas de passageiros feriram-se. Uma casa ficou destruída.
Esta semana no aeroporto de Congonhas, na maior cidade da América Latina, São Paulo, uma aeronave da TAM despistou-se igualmente. Morreram carbonizadas cerca de 200 pessoas. Um edifício da empresa no qual o avião embateu ficou todo partido.
Na sequência do infausto acontecimento de Mbanza Congo, no dia em que os franceses conseguiam os seus objectivos estratégicos junto da União Europeia, a TAAG foi crucificada pela opinião pública e pela imprensa local.
Quase em uníssono os nossos escribas gritaram, “Abaixo a TAAG e o Ministério dos Transportes!” por entre rios de tinta e fel que encharcaram editoriais, colunas, análises e reportagens.
1-Do Ministro, um dos acepipes mais procurados pela nossa vigilante imprensa, nem adianta falar, pois o homem já deve estar curtido de tanta porrada apanhar.
Foi mais uma, que contou desta vez com o sonante pedido de demissão formulado aos microfones da Ecclésia pelo Kota Mendes.
Afinal, a Emissora Católica de Angola (ECA) sempre vai servindo para alguma coisa, sempre vai tendo alguma utilidade política e pública, mesmo para os seus mais assumidos críticos e detractores, que até hoje não lhe permitem a expansão do sinal a todo o território nacional.
E não permitem, apenas porque têm medo de um quarto poder que lhes escape completamente do controlo, como é o caso da ECA, embora a própria Ecclésia também não seja um bom exemplo de independência editorial, devido a sua subordinação ao “império da religião”, comandado a partir do Vaticano.
Para quem não o conhece, diríamos que o Kota Mendes é um famoso ancião cá da banda, que já não tem qualquer problema em utilizar a língua das palavras ou de ser politicamente queimado, pois segundo a sua própria auto-avaliação, ele já se transformou em cinza.
De facto não é fácil queimar a cinza, embora o fogareiro angolano seja especial tal como é o seu povo, na avaliação de um outro Kota ainda mais famoso que o Ti Mendes, pelo que talvez o mais aconselhável fosse não ser tão taxativo.
Por outras palavras - e sem querermos assustar o Kota Mendes, porque o outro é “inasustável”- é de admitir que em Angola a cinza ainda pode vir a ser queimada.
Só restará encontrar depois um nome de consenso para o novo produto resultante da queima da cinza.
2-O pobre do Quidó, como é conhecido entre nós o Vice Prezas, levou tanta pancada, que receio bem que ele tenha perdido os dentes e a língua algures num dos semanários desta Capital.
De uma coisa estamos quase certos: não será tão cedo que ouviremos Hélder Prezas colocar a boca no trombone, o que, pelo menos, evitará que lhe coloquem algumas palavras, gestos ou intenções no seu discurso.
De tudo quanto lemos a propósito do que ele terá dito, não vimos uma única citação das suas palavras, onde ele afirmasse preto no branco que Angola iria retaliar.
Continuo a pensar que retaliação e reciprocidade, embora possam ser convergentes nas consequências que produzem, não têm a mesma origem ou motivação.
Que eu saiba, nenhum acordo entre pessoas ou entidades civilizadas (não me perguntem agora pelo tipo de civilização) contempla o recurso a actos de retaliação. Retaliação tem a ver com a aplicação da Lei de Talião. O tal olho por olho, dente por dente. Coisa de bárbaros.
Já não diria o mesmo do recurso ao princípio da reciprocidade, que é praticamente contemplado em todos os acordos onde as partes tenham negociado direitos e vantagens, de modos a salvaguardar-se os interesses dos signatários.
Como se sabe, a Taag negociou com as suas congéneres europeias, como a TAP, British Airways, Air France e Sabena, acordos, onde de facto e de jure, está contemplado o principio da reciprocidade, por razões óbvias para todos.
3-A minha kamba Agnela Barros foi pura e simplesmente vaiada, enxovalhada e, finalmente, desclassificada por incompetência e má figura.
Por alguns “experts” da nossa comunicação social, ela foi mesmo aconselhada a mudar de posto e a voltar para a cabine dos aviões da empresa que agora serve como porta-voz.
Numa iniciativa que tem a nossa chancela pensamos organizar proximamente um concurso dirigido apenas a jornalistas para eleger o melhor e o pior porta-voz desta cidade.
É claro que se o concurso for para o ar este ano, a Agnela está pura e simplesmente feita ao bife.
No meio de todas estas cacetadas, pauladas e coices, os nossos escribas esqueceram-se certamente, ou não se quiseram lembrar, (Angola é um país com gravíssimos problemas de memória) que durante mais de trinta anos consecutivos, que é o tempo que a Taag voa para a Europa, nunca a nossa companhia de bandeira matou um único “branco alheio”.
A simpática expressão “branco alheio” é idiomática do português falado em Angola, não possuindo qualquer conotação mais ou menos negativa ou pejorativa.
De difícil tradução para o “português da metrópole”, só quem domina perfeitamente a nossa língua sabe exactamente o que ela significa.
Desde que “viola” o espaço aéreo da Europa comunitária, é bom que se diga, a TAAG nunca teve um acidente fatal.
Em termos de segurança, esta estatística, da maior importância e significado, não pode, nem deveria ser ignorada por ninguém, quando chegar a hora de se analisar o perfil de uma determinada empresa que se movimenta no espaço aéreo.
Esta hora para a Taag já chegou.
Estamos aqui desta vez ao lado da nossa companhia de bandeira, não para defendê-la cegamente, mas tão-somente para fazermos este exercício com todo o relativismo que o mesmo exige.
Estamos convencidos que não existem neste segmento do mercado empresas cem por cento seguras, ou que observem com o necessário rigor todas as normas previstas nos manuais que rondam ou ultrapassam mesmo os mil “items”.
Nada disso. Qualquer inspector conhecedor destas normas se estiver interessado em fazer a “vida negra” a uma companhia de aviação pode facilmente conseguir os seus objectivos.
Para além dos seus próprios “azares”, que já são mais do que muitos, a Taag teve ainda um outro grande azar chamado SAFA, entenda-se, inspecção aeronáutica francesa.
Tudo isto e muito mais para dizer, tendo agora por pano de fundo a tragédia de Congonhas, que a Taag, com todas as falhas que se lhe possam apontar -que as tem efectivamente - continua a ser uma companhia viável do ponto de vista dos procedimentos de segurança.
Em Congonhas ficou uma vez mais provado que tudo pode acontecer quando desafiamos a força da gravidade e os elementos da natureza.
Em Congonhas, enquanto se aguarda pelos resultados do inquérito, também havia edifícios próximos da pista e também pode ter havido falhas por parte da torre de controlo.
Estamos igualmente convencidos que, à semelhança de Mbanza Congo e de São Paulo, haverá por este mundo afora muitas outras pistas que têm ao seu redor obstáculos que, se calhar, não deveriam lá estar por razões de segurança.
Enfim…
Mbanza Congo e São Paulo fazem agora parte da mesma interminável lista negra que não tem parado de somar vítimas.
É o preço que a Humanidade está a pagar por ter desafiado os deuses.