terça-feira, 21 de julho de 2009
(Flashback/Julho 2006) Sou um homem feliz: Nunca andei de candongueiro em Angola!
- Subsídios para a história dos transportes públicos em Luanda
Gosto muito de gabar-me junto dos meus amigos que uma das grandes proezas, sem aspas, da minha vida, ao longo destes primeiros trinta anos de independência tem a ver com o facto de - para além de jamais ter empunhado uma arma de fogo - nunca ter andado de candongueiro.
Eu que até já figuro como personagem real de um livro de contos do vigário onde o seu autor revela (?!) que eu fui contratado, no âmbito de uma vasta conspiração interna, para o matar, se um tal de golpe pegasse.
Os que conhecem esta história, já estão a ver qual é o filme e quem é o artista.
De facto é verdade. Acreditem que é verdade, embora eu acredite também que não seja muito fácil acreditarem em mim pelo menos no que toca a esta passagem da minha vida. Não a do golpe, mas a do candongueiro.
De facto e de jure nunca pus os meus pés dentro de um candongueiro em Angola, porque lá fora não tenho qualquer problema em utilizar este “processo”, com o qual me movimento bastante bem, como é o caso da África do Sul e mais particularmente da cidade do Cabo que já conheço relativamente bem.
Ao lado dos nossos, os candongueiros de Capetown até são pessoas muito bem-educadas, pelo menos para quem tem a experiência de lidar com os “nossos parentes” cá da banda.
Tudo isto, entretanto, é um bocado aparente, pois volta e meia, os candongueiros de Capetown envolvem-se em cenas de grande violência, que implicam o recurso à armas de fogo.
Não se trata contudo de violência contra os passageiros. São problemas criados pela delimitação de zonas de trabalho entre os diferentes sindicatos de transportes que operam na cidade. Aí as coisas ficam muito feias, havendo por vezes mortos e feridos a lamentar.
Mas deixemos a bonita cidade sul-africana do Cabo para voltarmos à nossa dura realidade, onde eu acabo por ser um privilegiado, por nunca ter andado de candongueiro.
Nos tempos em que não possuía viatura própria, até meados da década de oitenta, os candongueiros ainda estavam longe de ocupar o actual espaço no mercado dos transportes públicos luandense.
Nessa altura andava bastante a pé e de boleia quer do carro do serviço, quer de amigos, conhecidos e desconhecidos.
Mas também andava de autocarro e muito bem, sem qualquer problema de espécie alguma, logo eu que cresci cruzando esta cidade de machimbombo, incluindo o famoso “muiungú” e aqueles de primeiro andar iguais aos de Londres. Os anos foram passando e com eles os vários carros que então fui adquirindo, tendo começado como muito boa gente que hoje anda com os últimos gritos da BMW e da Range-Rover, pelas sucatas de Roterdão ou de Bruxellas, onde a viatura que mais se comprava era o célebre Volvo-244.
A saudosa ANGONAVE (que Deus a tenha) fazia-nos depois o favor de colocar as nossas viaturas em Luanda ao preço de uma grade de gasosa do cabaz complementar.
Foi por estas e por outras que a empresa foi a falência e os seus marinheiros tiveram depois de dormir cinco anos consecutivos ao relento, a beira da estrada, na mais longa vigília laboral de protesto que a História Universal tem conhecimento. Esta classificação é da nossa inteira responsabilidade.
O advento em força dos hiaces encontrou-me já bem abastecido em matéria de transporte próprio, pelo que nunca precisei de andar de candongueiro. Felizmente.
Das poucas vezes que, por motivos de força maior, fiquei sem o meu carro e tive de andar a pé por esta cidade, recusei-me sempre a entrar num candongueiro.
Primeiro porque não conheço as linhas, nem sei como elas depois se cozem no meio dos percursos para se chegar aos diferentes destinos.
Segundo porque a minha recusa já era o resultado de um trauma, por ter ouvido todas aquelas histórias das peripécias porque passam todos quantos são forçados a ter de utilizar o candongueiro.
São histórias aterradoras e humilhantes, onde a falta de respeito dos motoristas e dos seus cobradores, são o pão-nosso de cada dia.
São histórias para esquecer.
Por tudo isto nunca andei de candongueiro em Angola.
Por tudo isto e depois de tomar conhecimento da morte na passada terça-feira de uma senhora que viajava de candongueiro, muito provavelmente vítima de uma síncope cardíaca provocada pela barulheira da aparelhagem sonora da viatura, sinto-me um homem feliz, lamentando profundamente a sorte da vítima.
Como se apercebem não é assim tão difícil ser-se feliz em Angola, apesar dos pesares.
Só espero, sinceramente, que este bocado de felicidade que conquistei com o meu esforço e as minhas economias, seja eterno, enquanto por aqui andar.
Mas se algum dia me virem andar de candongueiro, façam como o poeta: Não acreditem nos vossos olhos!
Tou paiado!