1-E vão cinco…
É o número de relatórios económicos anuais já produzidos pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN).
O Relatório Económico de Angola 2006 é assim o mais jovem reforço desta utilitária série que já deu mostras de ter vindo para ficar, que já provou que se quer instalar entre nós, aliás que já está instalada, como uma sentinela atenta ao desempenho da economia angolana e dos seus protagonistas.
Uma vigilância mais do que necessária e recomendável em qualquer país.
Uma vigilância orientada em primeiro lugar para a estrutura que mais responsabilidades tem na gestão dos recursos que a todos pertencem.
Esta estrutura é, obviamente, o Governo.
Para governarem melhor os executivos precisam de oposições fortes, competentes e actuantes.
Mas também precisam de uma sociedade civil esclarecida e capaz de questionar em profundidade políticas e estratégias com análises consistentes e convincentes, sem qualquer intenção mais imediatista relacionada com a conquista do poder. É aí que reside a serenidade da sociedade civil que deste modo parece estar em melhores condições de ir um pouco mais a fundo na abordagem das questões que todos nós queremos ver resolvidas a bem do equilíbrio nacional e da justiça social.
O pensamento único já não faz qualquer sentido, aliás nunca fez. Onde ele se instalou só produziu mediocridade e conformismo permitindo que as forças politicamente mais poderosas impusessem ditaduras e arruinassem as economias.
Em Angola nós já tivemos a experiência do pensamento único (PU). As consequências estão à vista de todos.
Em abono da verdade o PU ainda prevalece, pois em democracia a única forma de contrariarmos um determinado modo de pensar e agir politicamente é convencer os eleitores a não votarem nele no próximo sufrágio universal.
Ora como se sabe, os angolanos, depois da primeira experiência com as tais urnas que viraram caixões e valas comuns para muitos deles, nunca mais tiveram a oportunidade de repetir a dose.
2-Baseados apenas na ciência e na investigação são relatórios independentes como estes elaborados pelo CEIC, sobre os mais variados domínios da vida nacional e do saber, que ajudam as sociedades a conhecerem-se melhor. Que ajudam os homens a compreenderem os fenómenos mais complexos. Que ajudam os eleitores a avaliarem melhor o desempenho dos governos e das propostas alternativas quando chegar a hora.
A informação é hoje um capital crítico que nenhum cidadão pode dispensar se não quiser ser mais uma “maria que vai com as outras”. Com todo o respeito que temos por este nome, Angola está cheia deste tipo de “marias”.
O CEIC já é uma referência inteligente da nossa sociedade civil por mérito próprio, mas muito dificilmente conseguirá um dia destes que lhe seja outorgado pelo Conselho de Ministros o estatuto de associação ou instituição de utilidade pública.
Este estatuto cujo regulamento desconhecemos, se é que existe algum, é um dos instrumentos que melhor traduz a aplicação do poder discricionário do governo, que deste modo atribui a quem bem quiser e lhe apetecer o referido estatuto.
Desconhecemos igualmente quais são os benefícios deste estatuto para as organizações que dele beneficiam, mas desconfiamos que as mesmas tenham acesso a algumas isenções fiscais no exercício das suas actividades, particularmente quando têm de importar algum bem ou equipamento do exterior.
Haverá certamente outros privilégios que este estatuto oferece aos seus beneficiários, que só são aceitáveis se de facto a sua actividade tiver alguma relevância na solução dos grandes problemas sociais que este país enfrenta, sem outras conhecidas contrapartidas que orientam por exemplo o desempenho das empresas.
O CEIC é daquelas instituições que pelo seu trabalho, que é do maior interesse público, já deveria beneficiar deste estatuto que o Conselho de Ministros volta e meia atribui a organizações que de uma forma geral são convergentes em relação às suas origens políticas.
Estamos aqui a escrever um pouco de memória, mas a ideia que temos é que todas as associações que já foram oficialmente consideradas de utilidade pública são afectas à família que domina politicamente este país.
Ora isto é muito mau para a credibilidade do Estado que já é apontado em muitos círculos nacionais e estrangeiros como sendo um “estado-clientelista”, onde se incluem as relações que estabelece com as empresas. A imagem de Angola espelhada nos últimos relatórios a que tivemos acesso retrata um estado onde todos os acessos económicos são definidos com base em critérios de fidelidade política. Exagerada ou não, só o Governo está em condições de contrariar esta imagem o que, como é evidente, não será possível apenas com desmentidos e mais algumas proclamações sobre a “pessoa de bem” que é o estado.
3-Sabemos que a vida do CEIC em termos de recursos necessários à sua sobrevivência não tem sido nada fácil.
O Centro vive de algumas doações anuais que podem a qualquer altura deixar de existir.
Pelas provas já fornecidas é altura das diferentes entidades públicas, que passam a vida a encomendar estudos a consultores e instituições estrangeiros de muito duvidosa competência e idoneidade, olharem para o Centro com outros olhos.
Díriamos mesmo, com olhos mais patrióticos, pois eles os investigadores do CEIC são nossos, já são o orgulho da nata universitária angolana pelo trabalho que têm vindo a desenvolver. Eles já merecem estes outros olhares.
Eles podem, entretanto, fazer muito mais se lhes for dado trabalho.
O Centro pode assim crescer e afirmar-se ainda mais como uma referência do saber em Angola.
De facto já é altura de se gastar cá dentro, muito do dinheiro público que hoje se desperdiça lá fora com estudos económicos que acabam por não ter qualquer utilidade.
Já é altura dos próprios investigadores e consultores angolanos começarem a pressionar quem de direito a produzir a competente legislação para apoiar e estimular o crescimento deste segmento do mercado.
Subscrevemos assim inteiramente o que Noelma Viegas de Abreu, a Directora Executiva do CEIC, escreveu na nota introdutória do Relatório Económico de Angola 2006.
PS-
São dela as palavras que se seguem:
"O Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, ao pôr à disposição do país, e não só, o Relatório Económico de Angola, tem como motivação central contribuir para a informação e formação sobre a situação económica mas também, dar a conhecer aos governantes e decisores políticos o que os dados nacionais salientam e exigem como mudança e necessidade de actuação, no sentido de melhor gestão, transparência, de luta contra a corrupção, luta contra a desigualdade social e direito a uma vida com mais qualidade.
Não podemos deixar de referir que os relatórios económicos anuais, assim como toda actividade e produtos do CEIC são o resultado do esforço de uma equipa pluridisciplinar, estruturada e organizada em núcleos de pesquisa composta por nove investigadores e três administrativos em regime de dedicação exclusiva e de 15 investigadores colaboradores em regime de colaboração permanente ou em projectos anuais e ainda de investigadores correspondentes.
É esta equipa que permite que a qualidade do trabalho do CEIC ultrapasse o quadro da Universidade Católica. Fazer pesquisa e investigação é igualmente um domínio da “paixão e do espírito de missão”, num ambiente completamente árido que situa Angola ao nível de padrões de auditoria e de contabilidade em 121º lugar, num universo de 128 países, e em 125º lugar em relação à disponibilidade de serviços e de instituições de pesquisa, segundo um recém publicado Relatório sobre a Competitividade em África. O acesso e a cedência de informação são também contingências ainda complicadas de contornar, não só pela personalização dos dados do país, mas também pelo tempo útil em que eles podem ser disponibilizados.
Apesar desta realidade difícil, com a ajuda de algumas individualidades e de instituições que têm contribuído para este projecto e o tornam possível, o CEIC consegue desenvolver o seu trabalho".
Luanda, 18 de Junho de 2007
Noelma Viegas D’Abreu
Directora Executiva