Não confundir com as outras urnas, por favor, embora as primeiras de 92 tenham mandando muito boa gente, desta, para melhor.
Não sabemos se o recado do parlamentar mais importante deste país era dirigido especificamente a alguém, no singular ou no plural, o que é bem provável.
Mas mais importante do que saber a quem é que Roberto de Almeida se quis dirigir na floresta dos directores “desses jornais”, é a coincidência de pontos de vista que detectamos entre a sua apreciação e uma tese já por nós nestas colunas referenciada sobre os pontos de contacto existentes entre projectos editoriais e projectos partidários.
Sendo esta Kuluna um espaço aberto ao debate e divulgação de ideias, gostaríamos de voltar a citar o académico brasileiro Perseu Abramo que é o autor da referida tese, com a qual acabamos, por incrível que pareça, por estar parcialmente de acordo com Roberto de Almeida, evitando, obviamente, a tentação da generalização.
De facto, já por diversas vezes daqui chamamos a atenção para os perigos desta colagem ou clonagem a colocar seriamente em risco o capital de prestígio de um jornalismo de referência que, antes de mais, deve ter sempre bem apontada a arma estratégica do distanciamento crítico em relação as agendas dos diferentes poderes que coabitam na nossa sociedade.De acordo Abramo os órgãos de comunicação social têm um projecto muito semelhante ao dos partidos políticos
As semelhanças entre os “médias” e os partidos políticos
Segundo Abramo “é sustentável a afirmação - pelos menos com carácter de hipótese de trabalho - de que os órgãos de comunicação se transformaram em novos órgãos de poder, em órgãos político-partidários, e é por isso que eles precisam recriar a realidade onde exercer esse poder, e para recriar a realidade eles precisam manipular as informações. A manipulação, assim, torna-se uma necessidade da empresa de comunicação, mas como a empresa não foi criada nem organizada para exercer directamente o Poder, ela procura transformar-se em partido político. Aliás, os grandes e modernos órgãos de comunicação, no Brasil, parecem-se efectivamente muito com partidos políticos.
(…)
Os partidos procuram conduzir partes da sociedade ou o conjunto da sociedade para alvos institucionais, para a conservação de algumas instituições e para a transformação de outras; têm enfim um projecto histórico relacionado com o Poder. Os órgãos de comunicação também procuram conduzir a sociedade, em parte ou no todo, no sentido da conservação ou da mudança das instituições sociais; têm, portanto, um projecto histórico relacionado com o Poder
Os partidos têm representatividade, em maior ou menor grau, na medida em que exprimem interesses e valores de segmentos sociais; por isso destacam, entre seus membros, os que disputam e exercem mandatos de representação, legislativa ou executiva. Os órgãos de comunicação agem como se também recebessem mandatos de representação popular, e alguns se proclamam explicitamente como detentores de mandatos. Oscilam entre se auto suporem demiurgos da vontade divina ou mandatados do povo, e confundem o consumo dos seus produtos ou o índice de tiragem ou audiência com o voto popular depositado em urna.
Essas analogias não constituem apenas - como poderia parecer - um mero jogo de palavras, uma brincadeira semântica e retórica. Elas revelam um significado mais profundo do que as aparências formais indicam. Na verdade, elas dizem que os órgãos de comunicação se transformaram em entidades novas, diferentes do que eram em sua origem, distintas das demais instituições sociais, mas extremamente semelhantes a um determinado tipo dessas instituições sociais, que são os partidos políticos.
Se os órgãos não são partidos políticos na acepção rigorosa do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades para-partidárias, únicas, sui generis. Comportam-se e agem como partidos políticos. Deixam de ser instituições da sociedade civil para se tornarem instituições da sociedade política. Procuram representar - mesmo sem mandato real ou delegação explícita e consciente - valores e interesses de segmentos da sociedade. E tentam fazer a intermediação entre a sociedade civil e o Estado, o Poder. É por essa razão que os principais órgãos de comunicação podem proclamar sua autonomia e sua independência, não só diante dos anunciantes como diante do governo e do Estado. Na realidade, esses grandes órgãos efectivamente são autónomos e independentes, em grande parte, em relação a outras formas de Poder. Mas não - como querem fazer crer - porque estejam acima dos conflitos de classe, da disputa do Poder ou das divergências partidárias. Nem porque estejam a serviço do Brasil ou da parte do Brasil que constitui o seu específico leitorado. Mas sim porque são eles mesmos, em si, fonte original de Poder, entes político-partidários, e disputam o Poder maior sobre a sociedade em benefício dos seus próprios interesses e valores políticos.”