domingo, 24 de janeiro de 2010
O pensamento do Presidente do Tribunal Constitucional (1)
Em Outubro de 2000, o actual Presidente do Tribunal Constitucional (TC), Dr. Rui Ferreira (RF), proferiu no Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM) uma palestra subordinada ao tema "A Garantia e Controlo do Cumprimento da Constituição".
Na altura o jurista/académico Rui Ferreira ainda não sido escolhido por JES para ser o Presidente do TC, o que só viria a acontecer em Junho de 2008.
Pelo seu conteúdo a palestra de Rui Ferreira, passados que são já mais de 9 anos, mantém todo o seu interesse e actualidade.
Uma grande actualidade, por sinal, diante dos acontecimentos que estamos a viver.
Em vésperas do aguardado acórdão que o TC foi "convidado" a pronunciar sobre o texto da nova constituição que acaba de ser aprovada pelo parlamento, no meio de uma intensa polémica, decidimos revisitar o pensamento constitucional do académico Rui Ferreira.
Para o efeito, deixamos aqui à vossa consideração algumas passagens da referida intervenção, com a certeza de que ela continua a reflectir fielmente o pensamento de RF sobre esta matéria.
Se não for este o caso, o interessado que nos faça chegar os necessários esclarecimentos.
(...)
Desde estes tempos longínquos, até aos nossos dias, a questão de fundo que mais preocupa e ocupa os constitucionalistas é, como diz LOEWENSTEIN, " a busca de limitações ao poder absoluto exercido pelos detentores do poder, o esforço de criação de instituições para limitar e controlar o poder político"
GEORGES BURDEAU, um eminente constitucionalista francês dá mesmo uma receita, porventura a mais geral, quando sugere que "a função governamental deve ser exercida por vários órgãos de maneira a que ao lado do titular de um poder de decisão esteja uma outra autoridade encarregue de o controlar."
(...)
- Em África é grande a tendência de pessoalização do poder, de concentração ilegítima das funções do Estado e do poder real de decisão política, seja por razões culturais (nas sociedades tradicionais africanas o poder é monopolizado pelo Chefe da tribo, do clã ou do grupo), como pela experiência Político-Constitucional do pós-independência e do estádio de desenvolvimento do processo de estruturação do Estado;
(...)
- A generalidade dos sistemas de Governo constitucionalmente conformados nos Países da África Austral acentua as competências e responsabilidades do Presidente da República o que, não sendo em si um mal para a democracia, faz contudo, redobrar de importância os mecanismos de checks and balances, de equilíbrio de poderes e de controlo do seu exercício.
- Vários são os Países da África Austral que conhecem ainda alguma instabilidade política, espirais de violência e insegurança, crises económico-sociais profundas, uma situação que acarreta o perigo de crises e vazios de autoridade e, consequentemente (prova a história), o advento de "pulsos de ferro" que, em nome do "bem comum" e da necessidade de ordem, advoguem esquemas totalitários de exercício de poder político.
- Por tudo isto há que aquilatar da bondade e do mérito das soluções técno-jurídicas escolhidas nestas Constituições para defendê-las destes perigos, para assegurar a sua observância e, por esta via, afiançar ou não a precariedade das intenções de democracia declaradas no discurso político e nos textos normativos.
(...)
Não esqueçamos nunca que a experiência universal mostra que poderes sem limites, poderes não sujeitos a controlo acabam por, mais cedo ou mais tarde, redundar em arbitrariedades e abusos de poder.
A propensão ao abuso de poder, à "corrupção da Constituição e da Lei" é uma tendência habitual na dinâmica da actuação do poder do Estado.
Não se espere assim que por auto-limitação voluntária os titulares do poder, por muito franca e bem intencionada que seja a sua vontade democrática sejam capazes de livrar a sociedade e os governados do que LOEWENSTEIN considerou de "tragédia de abuso do poder" ou "caracter demoníaco do poder".
Nem se espere que as instituições de controlo nasçam e operem automaticamente. Elas têm de ser discutidas, debatidas, previstas e inseridas na Constituição.
E o momento para fazer esse debate é o actual em que estamos todos como angolanos, à espera da oportunidade de contribuir na elaboração e aprovação da futura Constituição de Angola. (cont)
(Rui Ferreira in "Palestra sobre a Garantia e Controlo do Cumprimento da Constituição" proferida em Outubro de 2000 n0 CIAM em Luanda)