A seriedade de um projecto constitucional democrático depende, é certo, da existência de um quadro constitucional que reconhece e protege as liberdades clássicas fundamentais, nomeadamente:
Liberdade de expressão;
Liberdade de associação, incluindo o multipartidarismo;
Liberdade de reunião, manifestação e indignação;
Liberdade de informação e imprensa;
Liberdade sindical;
Etc, etc.
Mas não é quanto baste. É também indispensável que exista uma sociedade politicamente estabilizada ou em vias de estabilização.
É indispensável que exista uma sociedade participativa em que a intervenção dos cidadãos e das instituições na condução da vida pública não fica reduzida aos processos eleitorais.
É indispensável que exista uma cultura democrática, de tolerância e civismo ao nível de toda a classe política (governante ou na oposição) ou, pelo menos, um compromisso sério para com o respeito devido aos valores democráticos e a moralidade da administração.
Esta é pois uma garantia institucional de vestes jurídico-sociológicas que deve ocupar as reflexões do legislador da Futura Constituição de Angola.
AS GARANTIAS PROCESSUAIS DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS
É já um dado adquirido que a Futura Constituição terá uma carta de direitos ampla e desenvolvida de acordo com o estabelecido nas principais Convenções Internacionais sobre os direitos do homem e dos cidadãos.
Já assim é, no essencial, com a actual Lei Constitucional.
Nas actuais condições do nosso desenvolvimento constitucional o desafio que temos para vencer não é pois o de ombrear com os membros no reconhecimento dos direitos.
Esse desafio é o sermos capazes de definir na Constituição meios eficazes de protecção e garantia desses direitos, isto é, instrumentos legais que sejam capazes de assegurar que tais direitos sejam respeitados na pratica quotidiana.
Que mecanismos são esses, do ponto de vista processual e institucional?
Os projectos de Constituição apresentados pelos 2 maiores Partidos Angolanos (MPLA e UNITA) apresentam nesta matéria propostas que considero de bastante positivas. E que serão ainda melhores se enriquecidas com a contribuição de todos.
Em jeito de apanhado para reflexão deixo aqui enunciadas as seguintes considerações sobre alguns meios de defesa dos direitos dos cidadãos:
a. A protecção judicial dos direitos: é fundamental que a futura Constituição coloque nas mãos dos cidadãos e instituições essa importante garantia que é o direito de, em caso de se sentirem lesados por actos das autoridades públicas ou de particulares, os cidadãos poderem recorrer a um tribunal, solicitar a abertura de um processo e exigir que o tribunal se pronuncie, obrigatoriamente, sobre a sua pretensão mediante decisão fundamental;
b. A prevalência das decisões judiciais sobre as tomadas por quaisquer outras autoridades e a obrigatoriedade do seu cumprimento;
c. A proibição de pena de morte, da tortura e tratamentos degradantes;
d. O direito a julgamento justo e conforme;
e. A presunção de inocência até decisão judicial condenatória e, consequentemente, a limitação rigorosa da prisão preventiva a situações extraordinárias;
f. O direito de petição, de reclamação e de queixa;
g. O direito de resistência contra ordens que ofendam direitos liberdades e garantias da Constituição;
h. O direito de acção judicial dos cidadãos, a titulo individual e colectivo, em determinadas matérias, como o ambiente, o património público, o património histórico-cultural e a moralidade administrativa (acção popular);
i. O Habeas Data e a proibição de processamento de dados individuais identificaveis;
j. O Habeas Corpus em caso de prisão ou detenção ilegal;
k. As garantias clássicas do processo criminal e a protecção dos direitos dos presos, condenados, detidos e acusados;
l. A protecção da propriedade em casos de expropriação por utilidade publica e requisição.
Considero particularmente interessante a ideia de criação, como órgão independente, de uma Comissão Nacional dos Direitos Humanos, de composição multisectorial, incluindo a sociedade civil, para cuidar da promoção, divulgação e defesa dos direitos dos cidadãos.
Igual parecer para o Provedor de Justiça, já previsto na actual Lei Constitucional que, é pena não tenha sido efectivamente provido e funcionado nestes oito anos que se seguiram à sua criação formal pela Lei Constitucional de 1992.
Dr. Rui Ferreira in "Palestra sobre Garantia e Controlo do Cumprimento da Constituição" proferida em Outubro de 2000 no Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM) em Luanda.
comentários:
Anónimo disse...
O Professor Rui Ferreira é uma pessoa íntegra, de palavra, coerente com os seus princípios éticos e morais. O contexto actual é extremamente difícil para o Professor pôr em prática os seus elevados conhecimentos da Ciência do Direito porque podem colidir com o poder dos titulares dos órgãos de soberania a quem a actual estrutura constitucional interessa. Mas é justamente nestes momentos em que surgem os grandes Homens que a História regista. Os defensores de grandes causas, de nobres valores universais. Se assim for, teremos e poderemos contar com o Ilustre Professor Rui Ferreira. Qualquer que vier a ser a sua decisão, desde que bem fundamentada na Ciência e no Direito, será uma boa decisão. Bem haja Professor Rui Ferreira.
28 de Janeiro de 2010 10:17