domingo, 8 de agosto de 2010

O confisco de um jornal e o novo modelo de gestãos dos médias públicos

Para ser publicada na edição desta semana de "A Capital", foi-me solicitada a minha opinião sobre o novo modelo de gestão dos órgãos públicos da comunicação social.
A referida edição acabou por não sair, por razões até agora não apuradas, uma vez que os seus responsáveis evitaram fazer qualquer comentário sobre o eventual incidente que terá determinado a situação.
Os ardinas com quem falámos este sábado disseram-nos que o jornal tinha sido confiscado, "queimado" na sua expressão, pela polícia na hora da sua distribuição, por causa de uma certa notícia.
Desconfiamos, entretanto, que terá havido um engano nesta "operação de silenciamento", pois o jornal a ser apreendido deveria ter sido o "Folha-8" que publicou na íntegra a mais recente investigação de Rafael Marques sobre a corrupção em Angola.
"Kope, Dino e Vicente acusados- Trio presidencial apodera-se do dinheiro do povo"- foi a manchete que o F8 usou para chamar a atenção dos seus leitores para o conteúdo da perturbadora investigação dada à estampa pelo referido semanário.
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Média pública- Que nova gestão teremos?
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O Conselho de ministros aprovou, finalmente, nesta segunda-feira, os novos estatutos orgânicos e as medidas de política dos órgãos de comunicação social públicos com o objecto de ajustar a legislação em vigor à Constituição e garantir melhores práticas de gestão no sector. 1 - Como jornalista, qual é a sua maior expectativa em relação esta matéria? RS- Ponto prévio: Desconheço completamente o conteúdo do pacote aprovado e uma vez mais lamento o facto da crescente produção legislativa quer do executivo quer do legislativo não estar a chegar ao conhecimento da opinião pública e publicada em tempo oportuno, o que não permite que os cidadãos, onde estão incluídos os jornalistas, exerçam o seu direito constitucional de ser e de estar devidamente informados. A minha expectativa neste âmbito tem como limite o que define a nova constituição do país no domínio das liberdades de informação, expressão e de imprensa. Espero pois que o poder executivo (que é cada vez mais legislativo) tenha feito o melhor, o mais abrangente e o mais saudável entendimento, tendo em conta tanto a letra como o espírito, dos princípios fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito plasmados neste capítulo da Lei Constitucional. O meu receio é que ao nível da legislação ordinária, como já tem acontecido com outros diplomas, o resultado seja uma completa “subversão” dos princípios constitucionais, com a colocação estratégica no terreno de um conjunto de “minas e armadilhas”, que acabam por inviabilizar a essência do que defende a Constituição. No caso vertente as minhas atenções estão particularmente voltadas para a tradução prática do princípio da independência editorial. Como se sabe, o grande ganho da nova Constituição neste âmbito foi o compromisso assumido pelo Estado de assegurar “a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão”. Mais especificamente a minha expectativa, enquanto se aguarda pela divulgação do conteúdo do pacote aprovado, tem a ver com os mecanismos que serão adoptados pelo novo modelo de gestão dos meios de comunicação social públicos para garantir a necessária separação de águas entre a gestão administrativa e a gestão editorial. Estou convencido que é fundamental garantir-se a esta última a independência mínima que confere ao produto jornalístico a necessária credibilidade aos olhos da opinião pública que é o que, definitivamente, os “MDMs” não têm nesta altura. Conhecedor que sou do país real e como não houve qualquer debate sério sobre o assunto, acho que dificilmente a solução adoptada apontará para o que é recomendável em matéria de independência editorial. Receio, contudo, que o modelo aprovado fique muito aquém das nossas expectativas, a contrariar uma vez mais a letra e o espírito da Constituição, para não variar. A Constituição consagra a existência de um serviço público de informação e não de um serviço governamentalizado onde a informação, a propaganda e a manipulação praticamente se confundem, que é o que temos tido até agora. 2 - Esta medida vai trazer algo de novo, do quadro funcional e estratégico dessas empresas? Que benefícios os jornalistas vão ter, a partir da aprovação desses diplomas? RS- Em relação à questão do desempenho editorial, está mais ou menos, tudo dito na resposta anterior, pelo que vamos ter que aguardar mais algumas semanas. Já faltou mais tempo para sabermos o quê que a montanha vai parir. Quanto à parte administrativa e técnico-material e das condições de trabalho, pior do que os órgãos se encontram nesta altura, como resultado do carácter altamente predatório da gestão registada no consulado anterior, sobretudo ao nível da rádio e da televisão, dificilmente poderiam ficar. Há pois que apurar o que se passou e responsabilizar quem de direito, pois sabe-se já que os “buracos” são verdadeiras “crateras”, nomeadamente ao nível dos investimentos (não)realizados, mas ainda não se sabe se haverá da parte dos órgãos competentes de fiscalização e do poder político coragem e determinação suficientes para levar as investigações em curso até às suas últimas consequências. Diante do desastroso quadro herdado, o novo modelo de gestão vai tentar colocar um ponto final no regabofe e inaugurar uma nova era na esteira da probidade pública que esperamos venha a conferir rapidamente aos órgãos uma outra vida, mais transparente, mais saudável e mais a altura da satisfação das necessidades e das aspirações dos seus trabalhadores.