sábado, 31 de outubro de 2009

Bento Bento do MPLA assume divergências com o camartelo do GPL

Custou... mas foi.
Finalmente, alguém do MPLA assumiu publicamente as suas divergências com o Governo do MPLA.
No caso vertente, com o Governo Provincial de Luanda (GPL) que é neste momento conduzido por Francisca do Espírito Santo.
Estas divergências já eram conhecidas nos bastidores dos "camaradas", desde que o camartelo do GPL se tornou mais surdo e cego aos clamores populares diante dos seus sistemáticos, indiscriminados e brutais ataques.
Bento Bento (BB), que é o "homem grande" do MPLA na capital, terá mesmo convocado a GPL para lhe manifestar o seu descontentamento diante de tanta fúria contra a propriedade e os haveres dos mais pobres.
Na entrevista que "O País" publica este fim-de-semana, Bento Bento deixa de lado as meias palavras, os silêncios e as cumplicidades e parte para a defesa aberta dos mais pobres, que afinal de contas são aqueles que garantem as vitórias eleitorais.
Como se sabe, o principal trabalho de BB é coleccionar militantes, simpatizantes e... garantir mais votos para as próximas eleições.
Ficou uma vez mais claro, para quem ainda não tinha percebido bem esta parte da matéria dada, que a defesa do "interesse público" que tem servido de argumento para justificar muitos dos ataques do camartelo do GPL acaba por ser, vezes sem conta, um verdadeiro gato escondido com o rabo de fora.
O "rabo de fora" são os interesses privados, é a ofensiva do sector imobiliário.
O que é curioso, é que neste sector a maior parte dos interesses em jogo acaba por ter a forte "cobertura política" de altas figuras do regime, sem a qual, aliás, também nada é possível andar neste país cinzento, onde a promiscuidade entre os interesses públicos e os negócios privados já é, nesta altura, o traço dominante mais preocupante de uma conjuntura que nos escapa no pormenor, mas não nos engana na essência.
PS (1)- Permitam-me esta incursão em "seara alheia", mas aqui está um bom tema de debate para o próximo Congresso do maioritário, subscrito por alguém que em tempos que já lá vão, há mais de trinta anos, acreditou piamente no projecto inicial (a tal pátria dos trabalhadores), sem a componente repressiva (eliminação física dos camaradas), de que, aliás, viria a ser uma das milhares de vítimas.
Com base no aprofundamento das desigualdades sociais, que todos temos vindo a assisitir, impávidos e serenos, com a agravante desta "estratégia" resultar em grande parte da apropriação (assalto) indevida e ostensiva, por uma minoria autista, dos recursos públicos pelas mais diferentes e sinuosas vias, para onde é que o MPLA ou a sua actual direcção querem levar este país?
É a questão do modelo de desenvolvimento que queremos para Angola.
PS (2)-O 6º Congresso do MPLA pode entrar para a história do maioritário.
Em 2006 o renomado professor Paul Collier disse que futuro de Angola tanto pode ser o da próspera Malásia como o da caótica Nigéria.
"Lamentavelmente, a “opção implícita” é a de que Angola seguirá o exemplo daNigéria, Lagos é actualmente a melhor visão de Luanda em 2036. Isto porque existem fortes forças políticas e económicas que conduzem a sociedade para este rumo. Os Nigerianos, nos anos 1970, não eram loucos. Teria sido necessáriacompetência excepcional e visão para a Nigéria evitar o que aconteceu. A vossa maciça vantagem comparativamente à Nigéria dos anos 1970 é que podem aprender com os seus erros, tal como os Nigerianos acabam de aprender com os seus próprios erros. Não precisam de estragar as próximas três décadas.Assim, que escolhas importa, de facto, fazer agora? Claro, tudo é importante, mas se tentarem fazer tudo ao mesmo tempo, fracassarão em tudo. Por isso, o que realmente importa agora?"
Paul Collier in "Angola-Opções para a Prosperidade- Maio 2006"
O nosso desejo sincero, tendo em conta as grandes as grandes responsabilidades políticas do maioritário, é que o próximo Congresso do MPLA seja algo mais do que uma reunião formal de acólitos do Líder.
Este fim-de-semana, Bento Bento parece ter dado o ponta-pé de saída nessa direcção, na direcção da abordagem frontal dos problemas nacionais para além da retórica política.
Definitivamente, não se combate a pobreza, combatendo os pobres, que é o que está a acontecer com muitas das ditas "políticas públicas".
Em Luanda, mas não só. Os pobres contam-se aos milhões. Não se esqueçam de Agostinho Neto.
(...)
"Temos também a considerar algumas falhas … talvez voluntaristas de alguns quadros do partido que deveriam dialogar cada vez mais, que deveriam procurar entender cada vez mais antes de partir para algumas medidas impopulares que poderiam ser materializadas num outro clima …" (...)
"Muitas das pessoas visadas são nossos militantes também. Mas tivemos de fazer um trabalho para que as pessoas pudessem entender que o desenvolvimento às vezes dá nisso. Mas, também, será que a capacidade de alguns dos nossos quadros administrativos, sendo eles militantes do MPLA, ou não, que não têm em conta a forma como devem materializar algumas decisões do governo, que podem materializá-las de forma distinta."
(...)
"Temos situações em que muitos dos nossos munícipes construíram ilegalmente, mas para benefício familiar. E muitas dessas casas são casas que foram construídas como fruto das poupanças das populações. E isto multiplicado, na prática, são milhares e milhares de dólares, ou de kwanzas. Muitas dessas populações viram-se privadas dos seus bens, das suas residências de um momento para outro."
(...)
"Torna-se doloroso que uma família se veja privada da sua residência e, principalmente, vendo crianças e mulheres ao relento. E aí, nós, às vezes, ficamos sem argumentos para explicar a uma família, para explicar às crianças e às mulheres que de um momento para outro ficaram sem as suas residências".
(...)
"Quanto às cabanas de chapa isso resolve-se. Uma cabana de chapas destruída agora, ainda que estejam pessoas a residir nela, essas pessoas podem ser transferidas numa fracção de segundos, constroem noutro lugar. Mas uma casa definitiva, uma residência com três, quatro quartos, uma residência de primeiro andar, devemos ter cuidado. É melhor usarmos o diálogo, inclusive darmos algum tempo, porque as pessoas, depois, podem não ter os recursos para construir outras casas." (...)
"Há, por exemplo uma reflexão que às vezes nos tem chegado… de pessoas que vão ao Comité provincial, que são às dezenas e às vezes até às centenas, que nos dizem: o pior é tirarem os nossos terrenos, demolirem as nossas casas, e depois aparecerem condomínios privados. E aí ficamos sem respostas. Não era conveniente, por exemplo, negociar com as pessoas, os privados que têm esses terrenos e dar-lhes outras parcelas de terreno? Porque também muitos desses privados ligados a imobiliária, cujos terrenos têm sido resgatados, usufruíram da distribuição sem o próprio Estado se precaver que já aí residem pessoas".
(...)
"Para mim, Bento Bento, o mais doloroso é ver crianças e mulheres chorando ao relento, não pela cabana destruída, mas por uma casa de construção definitiva".
In "O País"- edição 51-30/10/2009