1-Como é evidente e por razões que já são do domínio do óbvio, diante da avalanche de críticas ao seu desempenho, coloco-me, desde logo, na primeira linha de todos aqueles que defendem a necessidade urgente de se reestruturar a comunicação social pública.
Como também é evidente e para não precipitarmos a avaliação, com todos os receios que normalmente se alimentam nestes processos das montanhas parirem ratos ou mesmo ratinhos, ainda nada se sabe do que virá a ser o resultado final do trabalho das comissões criadas para o efeito pelo Ministro da Comunicação Social.
A composição das duas comissões de reestruturação poderia ser um bom indicativo para anteciparmos algum prognóstico, na minha condição de analista do fenómeno mediático angolano por conta própria e sem qualquer formação superior mais específica para me poder apresentar aos olhos da sociedade como sendo um dos mais credenciados para o efeito.
Esta coisa de não gostar muito de estudar e de não ter sabido aproveitar devidamente os meus anos dourados pelos bancos do Liceu Salvador Correia, só podia dar este resultado académico desastroso para a minha actual maquilhagem.
Sobra-nos, contudo, bastante perspicácia, experiência e espírito de abertura que vai faltando a alguns peritos da nossa praça, que hoje nos querem convencer que a história da comunicação social privada começou com a sua entrada em cena.
Assim também não dá, com toda a tolerância que temos disponível para aturar certos egos.
Desconhecemos por completo as habilidades e as competências passadas e presentes da maior parte dos membros que foram “convidados” a fazer parte das comissões que acabam de ser nomeadas, o que de facto não nos permite avançar muito mais em matéria de prognósticos e ao mesmo tempo respeitarmos o nosso compromisso de não precipitar a avaliação.
Devo confessar que este desconhecimento absoluto, não deixa de ser estranho para quem, como eu, tem os mesmos anos de estrada pelos caminhos da informação, da propaganda e do jornalismo, que o país tem de independência, isto é, mais de trinta, que parece ser a idade de alguns dos integrantes deste renovador projecto governamental.
Parafraseando o outro, neste caso , e em nome de uma certa contenção verbal, o mais aconselhável mesmo é deixar os prognósticos para o fim do jogo, evitando deste modo perturbar o normal funcionamento das duas comissões que foram encarregadas de retirar a RNA e a TPA do actual marasmo em que se encontram. Evitar-se-á igualmente o processo judicial, pois nuca se sabe qual é a próxima ameaça.
2- Lamentavelmente e por razões muito difíceis de entender, sentimos que do ponto vista editorial a RNA e a TPA arrepiaram, em termos de abertura, o promissor caminho que estavam a trilhar até Setembro do ano passado.
Estamos a falar do período que precedeu a realização das eleições legislativas que proporcionaram ao MPLA a retumbante vitória que se conhece (a oposição recusa-se até hoje a digeri-la completamente) e que, por muito pouco (cerca de 18%), não retirava da nossa instituição legislativa a representação multipartidária.
Depois de Setembro de 2008 foi notória uma inversão acentuada no rumo dos dois meios de comunicação social públicos, aos quais se associou por inteiro o Jornal de Angola, particularmente ao nível do tratamento da informação mais político-partidária com a não utilização ostensiva de princípios como o contraditório, a equidistância e o tratamento igual mesmo que de forma proporcional.
O mais lógico e com base numa vitória tão folgada do partido no poder, que efectivamente controla a média pública, seria que a abertura em curso se aprofundasse, retirando-se da agenda das preocupações nacionais a gestão dos referidos órgãos, que se mantém deste modo como sendo uma das principais armas de arremesso da oposição e não só.
Por sinal, uma arma bastante eficaz e de muito fácil arremesso, com os seus utilizadores a não precisarem de demonstrar quase nada, para provarem que têm a inteira razão do seu lado.
A lógica da abertura foi efectivamente substituída por uma gestão editorial pouco compreensível e nada transparente para a nova conjuntura politico-partidária, visível no desaparecimento quase total da oposição e de outras sensibilidades mais criticas da sociedade civil dos noticiários principais da RNA e da TPA.
3- Do ponto de vista editorial a reestruturação da RNA e a TPA deverá estar assente no que exige a legislação em vigor da comunicação social e muito particularmente do seu sector público.
Lamentavelmente e por força de todos os incompreensíveis atrasos que se têm vindo a registar ao nível da regulamentação da Lei de Imprensa, não foi aprovado até agora o previsto diploma específico sobre a existência de um serviço público próprio a ser assegurado pelo Estado “com vista a garantir o direito dos cidadãos de informar, se informar e ser informado”.
Neste diploma e caso ele venha a resultar de um certo consenso, teríamos definidas as responsabilidades e os compromissos mais específicos da média estatal, para além dos princípios mais gerais que configuram o chamado interesse público que deve nortear o desempenho de todas as empresas e os órgãos de comunicação social.
Claramente é nosso entender que nenhum projecto de reestruturação da RNA e da TPA fará sentido ou terá alguma possibilidade de vingar se não for assegurada a independência editorial da comunicação social pública em relação ao poder político, cuja interferência permanente na sua gestão tem sido a grande responsável pelos recuos que se conhecem e se lamentam.
Definitivamente e enquanto esta independência não for assumida (e garantida) pelo nosso ordenamento tanto jurídico como político de muito pouco adiantará qualquer projecto de reestruturação, que estará sempre condicionado a factores externos.
O recente caso da suspensão da série que a TPA estava a transmitir sobre os protagonistas do conflito angolano fala bem desta interferência permanente do poder político na gestão editorial da média estatal.
Sobre esta problemática, o ano passado em matéria publicada nestas colunas, referia que o mais importante tem a ver com a necessidade de se estabelecerem mecanismos de gestão e acompanhamento editorial que garantam efectivamente a qualidade de um produto jornalístico democrático de acordo com as expectativas de toda a sociedade.Estes mecanismos passariam pela definição de um modelo plural de administração com base em mandatos definidos e com uma componente que ultrapassasse as simples preocupações de gestão empresarial corrente.Já há várias experiências, por este mudo afora, deste tipo de modelo de gestão da comunicação social pública, normalmente assente em Conselhos de Administração abrangentes do ponto de vista da realidade política e social de cada país.