Domingo passado (21/06) participei num debate a três na TPA (Semana em Actualidade) sobre o conteúdo da interpelação que a Governadora de Luanda, Francisca do Espírito Santo, foi objecto no parlamento, numa iniciativa da UNITA.
Em termos de produto final (editado) o resultado deste debate, por se ter afastado demasiado do original, foi muito pouco perceptível para algumas pessoas que o acompanharam e que me conhecem e que depois me questionaram sobre as minhas ideias e opiniões a respeito do tema proposto.
Como acho que nunca é tarde para se prestarem os necessários esclarecimentos, começarei por dizer que achei, no decorrer do debate, bastante oportuna a iniciativa da bancada parlamentar da UNITA, pois teve a ver com o diagnóstico e tratamento de um gravíssimo problema de saúde social que nos afecta a todos, enquanto habitantes desta cada vez mais problemática e caótica metrópole em que está transformada a capital de todos os angolanos.
Manifestei alguma decepção pelo debate não ter produzido de imediato um compromisso entre o Parlamento e o Executivo, pois apenas se acordou em elaborar uma resolução com base nas 15 perguntas formuladas pela UNITA.
Esta resolução, que poderá nem vir a conhecer a luz do dia, será uma boa oportunidade para o Parlamento se posicionar em relação as questões mais sensíveis que preocupam actualmente Luanda e os luandenses. Com base nela estará disponível uma referência para a opinião pública e a imprensa avaliarem de agora em diante o desempenho do GPL.
Luanda inspira sérios cuidados e não parece haver soluções à vista diante da magnitude das necessidades da sua população, que cresce exponencialmente, com destaque para as habitacionais, que já são neste momento o rastilho de futuras convulsões sociais que se anunciam todos os dias com as demolições, despejos, expulsões e realojamentos forçados.
Achamos que a reacção demasiado defensiva dos deputados do MPLA no decorrer da interpelação parlamentar não foi a melhor atitude na abordagem da problemática luandense, como se ela tivesse sido inventada pela Oposição apenas para retirar dividendos políticos de uma crise social que existe e que se vai aprofundar.
Sabe-se que antes desta interpelação e na sequência da polémica expulsão dos descamisados da zona do Benfica da Ilha de Luanda para o deserto do Zango, a Governadora foi chamada ao Comité Provincial do MPLA onde o seu desempenho terá sido muito criticado.
No debate parlamentar a Governadora mostrou-se, entretanto, muito mais a vontade e aberta às criticas que os tensos deputados do maioritário, ao ponto de ter sugerido uma nova interpelação para se voltar a discutir a situação de Luanda numa próxima oportunidade.
Mais do que isso, a Governadora, num tom dramático, disse que estava sem saber o que fazer, por não ter soluções aceitáveis, com as mais de 20 mil pessoas (ou famílias?) que precisa de retirar das actuais zonas onde se encontram a residir, por estarem a bloquear as obras de macro-drenagem nas valas do Senado da Câmara e do Cazenga.
Estou preocupado com a concentração de centenas de milhares de pessoas no Zango sem condições de sobrevivência dignas da espécie humana, por achar que aquela zona se está a transformar num barril de pólvora que já emitiu sinais muito concretos que pode explodir a qualquer altura.
Mais preocupado estou ainda com a lentidão com que estão a ser equacionadas pelo GPL as soluções ao nível da auto-construção dirigida, a começar pelo loteamento dos terrenos que vão ser entregues aos “zangados”, cada vez mais desesperados com a sua sorte madrasta.
Não é possível manter indefinidamente as pessoas nos vários zangos que vão sendo criados ao sabor das necessidades pontuais da requalificação da cidade. A repressão, que é a única solução disponível de imediato, já não funciona como no passado recente. E cada vez, vai funcionar menos. Se não estamos diante de um conflito de classes, também não estamos com o romano Terêncio quando, na sua Antiguidade, pôs em relevo toda a sua humanidade ao afirmar que “nada do que é humano me é estranho”.
No Zango há qualquer coisa de muito estranho, de arrepiante mesmo, para a nossa noção de humanidade, particularmente num país que tem os recursos do nosso, parte dos quais acaba por desaparecer misteriosamente pelos conhecidos caminhos do despesismo e da corrupção.
Se chegar a esta conclusão é estar do lado da irresponsabilidade, então o "conselho" dado deveria ser um pouco mais claro, deveria dizer-nos abertamente que devemos a partir de agora fechar os olhos a todos os abusos e violações dos direitos humanos em Angola quando estiverem em causa projectos públicos (?!) de requalificação das nossas cidades.
Como é evidente, não nos é possível aceitar este "conselho"e muito menos o "convite" a auto-censura que com ele vem associado.