quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Padre Tati foi libertado!

Em Cabinda, o Padre Tati e os seus companheiros de degredo foram libertados esta quarta-feira, de acordo com informações confirmadas a que o morro teve acesso.
Bem-vindo Padre Tati neste regresso mundo dos cidadãos livres!
Com o Padre Raul Taty, foram libertados o advogado Francisco Luemba, o economista Belchior Taty, André Zeferino Puaty, José Benjamim Fuca, Alexandre Cuanga Sito e Próspero Mambuco Sumbo, todos eles condenados pelo Tribunal Provincial de Cabinda ao abrigo de uma norma inconstitucional, o artigo 26.º da Lei n.º 7/78 – Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado — que estabelece uma pena entre 2 à 8 anos pela prática de "Outros actos, não previstos na lei, que ponham ou possam pôr em perigo a segurança do Estado".
No Namibe, a leitura da sentença do Armando Chicoka foi, entretanto, adiada para Março do próximo ano. Há agora mais tempo para se fazer um pouco mais de
"barulho"em torno do seu caso, enquanto o "lobo mau não chega".
Tudo boas notícias!
Notícias sobre liberdade é o que mais se "curte" neste morro.
Saravá!
O texto que a seguir transcrevemos é da autoria do Padre Raul Tati e foi publicado no Angolense por nosso intermédio por ocasião da visita do Papa Bento XVI a Angola, facto que suscitou do prelado um conjunto de pertinentes reflexões em torno da vida da Igreja em África e muito em particular da crise que se vive em Cabinda.
Nestas linhas nada simpáticas, está a descrição da vida da Igreja Católica no enclave, depois de Paulino Madeca se ter reformado e do seu lugar ter sido "ocupado" por D.Filomeno Vieira Dias, facto que deu origem a revolta do clero local e dos crentes cabidenses que prossegue até aos dias de hoje.
Na altura em que elaborou este texto, em Março de 2009, o Padre Tati estava longe de imaginar que ele viria a ser julgado e condenado ao abrigo da Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado.
Estamos em crer que este postal traçado há mais de um ano permanece como uma referência muito significativa, que vale a pena recordar nesta hora da sua libertaçã, após 12 meses de cativeiro, para percebermos a crise da Igreja Católica em Cabinda.
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Salvai-nos que perecemos!
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Desde a nomeação do sucessor do primeiro Bispo de Cabinda, os nossos olhos viram e os nossos ouvidos ouviram coisas inéditas na história desta igreja.
Vimos a infâmia dos militares armados dentro dos templos a espancar os fiéis que só pretendiam rezar; vimos indivíduos do SINFO infiltrados nas assembléias de culto para gravar homilias dos padres “reaccionários”; vimos o Arcebispo de Luanda e Administrador Apostólico da Diocese a ser vaiado em plena missa crismal; vimos o Núncio Apostólico a ser ameaçado por manifestantes furiosos; vimos a agressão do Administrador Apostólico dentro do templo; vimos a igreja paroquial da Imaculada encerrada ao culto durante seis meses: vimos todas as paróquias da diocese encerradas ao culto por iniciativa do clero, (excepto a de S. Tiago de Lândana); vimos sete sacerdotes suspensos sumariamente sem serem ouvidos e sem direito a recurso; vimos a cidade de Cabinda em estado de sítio e cidadãos inocentes presos por altura do empossamento do novo Bispo; vimos o novo pastor da diocese a ser protegido pelas mesmas forças que oprimem o povo de que é pastor; vimos o rebanho a fugir do pastor por não reconhecer a sua voz, abandonando os templos e refugiando-se nas catacumbas; vimos “claramente visto” os comunistas do regime, nas vestes de piedosos cordeiros, a desembarcar em peso nestas terras para “empossar” um homem de Deus. O tempora! O mores! (Exclamação latina de Cícero contra a perversidade dos homens e dos costumes dissolutos da sua época). Hoje a Diocese de Cabinda não passa de uma sombra de si própria. Calaram os profetas, dispersaram as ovelhas, esvaziaram os seminários (já não temos Seminário de filosofia em Cabinda e em Luanda nenhum seminarista teólogo) e enfraqueceram a coesão desta igreja. O ministério dos padres está reduzido à pastoral misseira, o resto do tempo é para os negócios (primum vivere, deinde philosofare!). A morte inesperada do Bispo Emérito, D. Paulino Madeca, veio culminar a crise, deixando esta cristandade literalmente órfã. Calou-se definitivamente essa voz incómoda que se erguia, quando necessário, para denunciar injustiças. Hoje, porém, deparamo-nos ainda com graves violações dos direitos humanos (prisões arbitrárias, execuções sumárias, tratamentos degradantes, etc.) que ocorrem amiúde em Cabinda em virtude do conflito armado, mas do paço nenhum eco em três anos.
O que dizer diante destes factos?
“Os acontecimentos históricos jamais podem ser entendidos completamente quando estamos imersos neles, pois, certos comportamentos só são vistos, de forma mais aprofundada e clara, com o passar do tempo. Porém, somente os que vivem os factos conseguem entender a força daquela realidade aparente, que os historiadores jamais recuperam plenamente: o espírito dos tempos.” (James Hitchcock). Um novo Pentecostes urge para a Igreja em Cabinda e quem sabe a visita do Romano Pontífice não venha a ser um grande refrigério espiritual para milhares de cristãos cabindeses sedentos da verdade, da justiça e de uma reconciliação profunda.
Mas enquanto Jesus dorme ainda na barca, vamos gritando: Senhor, salvai-nos que perecemos!
Padre Raul Tati ex-Vigário Geral da Diocese de Cabinda
PS- Leia o conjunto das reflexões produzidas em Março de 2009 pelo autor indo até:https://docs.google.com/leaf?id=0B1AZw4SgfRYfYWI3YTk2MDAtZmZhYy00MDdjLThmNDEtZWRmNDZjODBkNTM0&hl=pt_PT