sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um reconhecimento que estava a tardar (revisto/actualizado)

Da primeira fotografia tirada por mim na redacção do Jornal de Angola nos idos de 77, antes do fatídico 27 de Maio, até esta quarta-feira, dia 29 de Dezembro de 2o1o, passaram-se mais de 33 anos ao serviço do jornalismo angolano.
Foi exactamente o tempo que o Gustavo Costa teve de esperar sentado para receber o seu primeiro e mais do que merecido prémio profissional.
Depois de inexplicavelmente (?!) há dois anos ter falhado o Prémio Maboque, resta-lhe o consolo deste galardão, ter sido o Prémio Nacional de Jornalismo na categoria de imprensa, por decisão soberana de um júri, tendo em conta o seu desempenho global, presidido por um veterano angolense do nosso jornalismo, o Mateus Morais de Brito Junior, que por pouco não ia desta para melhor, depois de ter sido barbaramente torturado pela DISA em 77.
Pelo que julgamos saber, MM de Brito Junior também foi parar aos calabouços, entre outras acusações, por ser jornalista e por ter escrito na altura um texto polémico na Revista Angolense que não agradou os turculentos que governavam o país há 33 anos.
Contaram-me que durante as sessões de violência que foi vítima, uma das questões que os seus algozes lhe colocavam com alguma insistência tinha a ver com o esclarecimento de uma das passagens de um texto que tinha escrito sobre a vida na Vila-Alice.
A tremida fotografia do Gustavo Costa que fomos buscar aos nossos arquivos pessoais tem uma história interessante, embora na altura tivesse sido mais um forte motivo de preocupação pessoal, no quadro das ameaças que pesavam sobre o nosso futuro.
Foi tirada com a nossa Prátika, uma máquina que se fabricava na extinta RDA e nos foi oferecida pela Escola de Solidariedade do Berlim onde fizémos a nossa primeira formação profissional que incluiu um curso de fotojornalismo.
Por causa deste e de outros retratos que fizémos na mesma altura na redacção do JA fomos acusados depois, na hora da nossa detenção e no meio de vários insultos, pelos próprios colegas, de termos tirado fotografias para entregar ao Nito Alves com propósitos inconfessos.
Se esta acusação tivesse alguma base, por mínima que fosse, como é evidente, hoje ninguém saberia desta história, porque o fotógrafo há muito que estaria já a fazer estrume numa vala comum qualquer espalhada por este país, para aonde, sem dó nem piedade, foram atirados milhares de angolanos, na sequência da sanguinária repressão que se seguiu ao 27/M/77.
Ao Gustavo Costa nesta hora grande da sua carreira queremos felicitá-lo, manifestando o desejo de continuar lê-lo por longos e felizes anos nas colunas de opinião (mas não só) da nossa imprensa com a acutilância e a frontalidade que o têm caracterizado nos últimos tempos, desde que abraçou o projecto Novo Jornal. Com esta atribuição ao GC, a instituição Prémio Nacional de Jornalismo está igualmente de parabéns, por ter sabido distinguir claramente a independência, a ousadia e a acutilância como valores fundamentais do jornalismo angolano que queremos no presente e no futuro ao serviço da coesão e desenvolvimento da sociedade angolana no seu conjunto e da salvaguarda do interesse público/nacional.
Esperamos que esta mensagem venha a ser bem digerida pela superestrutura deste país, onde sempre residiram as maiores dificuldades em lidar com o jornalismo não tutelado, devido à visão instrumental que se tem da imprensa, numa altura em que são visíveis as mais diferentes tentações de domesticar, agora pela via do "mercado", os poucos jornalistas/projectos editoriais independentes que sobraram.
Definitivamente, o actual poder tem de perceber que, em termos de credibilidade, transparência e boa governação, ganha muito mais em promover o desenvolvimento de uma imprensa independente do que em ter ao seu serviço apenas megafones, papagaios e carros do fumo.
O risco pode ser maior, mas os resultados a prazo compensam...
Até lá, vamos ficando por aqui a clamar no deserto e a aguardar que o próximo Prémio Nacional de Jornalismo afine os seus critérios e seja mais exigente na definição do que é o bom jornalismo.