segunda-feira, 4 de julho de 2011

A corrupção e o jornalismo(1)

O ante-projecto do Código Penal que finalmente foi submetido à consulta pública tem tipificados vários crimes de corrupção num total de oito, incluídos em dois capítulos, a saber, o dos crimes cometidos no exercício de funções públicas e em prejuízo de funções públicas e no dos crimes contra o consumidor e o mercado.
Nenhum dos oito crimes referidos aborda o que é fundamental nesta matéria, num país com a história de Angola, onde de facto a corrupção mais preocupante no que toca aos seus impactos negativos/desastrosos sobre o conjunto da economia e a sociedade é aquela que resulta do exercício directo do poder ou a coberto deste.
Quando ao mais alto nível do sistema já se admite e cinicamente se lamenta, a existência de uma grande promiscuidade entre os negócios públicos e privados, está tudo dito neste domínio que explica a jusante a parte mais importante do fenómeno corrupção em Angola, que é de facto a corrupção institucionalizada.
Trata-se de um fenómeno que já não é possível ignorar pois está à vista de todos a fazer lembrar-nos, contudo e uma vez mais, a história do “Rei vai nú”.
Toda a gente vê o rei sem vestes, incluindo o próprio, mas todos receiam, incluindo o próprio, dizer/admitir a verdade, até que surge uma criança e grita o que é evidente, que o soberano está com tudo o que de mais intimo a natureza lhe deu, à mostra, completamente ao léu.
Esta referência conduz-nos directamente ao papel que a comunicação social/jornalistas deviam assumir nesta cruzada que é do maior interesse público e que levou a AJPD a trazer novamente o assunto a um debate que muito dificilmente, para além de algumas notícias superficiais, será capaz de mobilizar a média estatal para outros voos mais profundos/abrangentes.
Ingénuos como também às vezes gostamos de ser, para descansarmos um bocado do nosso pessimismo crónico, voltamos a acreditar recentemente na possibilidade de todos, em sincero exercício de reflexão nacional, admitirmos a nudez do rei, quando em Novembro de 2009 começamos a ouvir a falar de tolerância zero, que mesmo assim já não era bem, era apenas uma espécie.
Penso, apontou na altura JES nas suas vestes de líder do MPLA, “que devíamos assumir uma atitude crítica e auto-crítica em relação à condução da aplicação da política do Partido neste domínio. A transparência dos actos de gestão e a boa governação são uma frente em que ainda há muito trabalho a fazer”.
Com esta declaração de tão modestos rendimentos, numa frente onde o óptimo devia ser o grande amigo do bom, fomos dos primeiros a tentar dar o benefício da dúvida, como sempre, aliás, fazemos para não sermos acusados de intolerância.
“Como Partido maioritário, Partido do Governo, o MPLA, pontualizou JES, aplicou timidamente o princípio da fiscalização dos actos de gestão do Governo, quer através da Assembleia Nacional, quer pela via do Tribunal de Contas”.
De facto e apesar de algum barulho feito à volta do assunto, começo por dizer que só muito parcialmente a média tem assumido as suas responsabilidades na identificação da corrupção como sendo a grande ameaça já transformada no mais duro e corrosivo obstáculo ao desenvolvimento da economia nacional. Em causa está nas nossas empíricas contas um colossal volume de recursos públicos que todos os anos e pelas mais diferentes engenharias e malabarismos, é retirado da circulação pública rumo a conhecidos endereços particulares em detrimento da sua aplicação inicialmente programada, sendo mesmo assim já essa, algumas vezes de questionável utilidade no âmbito das efectivas prioridades nacionais.
(cont)