As considerações que poderão ler neste post são a sequência do debate iniciado com as recentes declarações do PCA do BESA, Álvaro Sobrinho, ao "Semanário Económico", que, com a devida vênia, transcrevemos para o nosso Morro.
O nosso anónimo colaborador, que, pelos vistos, não é um leigo na matéria, tem uma visão bastante abrangente do actual problema que "estamos com ele"e a sua contribuição tem particularmente em linha de conta as reflexões críticas avançadas a respeito por JCRC, que abaixo voltamos a reproduzir.
Trata-se de uma abordagem que, estamos certos, em muito poderá ajudar os decisores deste país a melhorarem os seus instrumentos de intervenção no mercado.
Aqui vai ela:
"Penso que o problema é um bocado mais complexo do que a forma como é colocado no apontamento de JCRC.
Em primeiro lugar é preciso entender o papel fundamental da política monetária para ajuizarmos a validade das opções que estão a ser tomadas.
No nosso caso, o papel reservado à política monetária é o de ajustar permanentemente os fluxos de emissão e esterilização de moeda, aos fluxos de receitas e despesas do Tesouro.
Para isso são utilizados dois instrumentos fundamentais: as Reservas Obrigatórias e os Leilões de Divisas a Taxas Flutuantes.
Perante o declínio do preço do petroleo e consequentemente das receitas do Tesouro, a Autoridade Monetária ajustou a taxa de reservas Obrigatórias (medida correcta), mas deixou de utilizar (incorrectamente) os Leiloes de Divisas como instrumento primordial para a conversão dos dólares dos impostos, em kwanzas, antes de serem utilizados para pagamento da despesa orçamental.
Como resultado o peso do ajustamento concentrou-se únicamente no volume de recursos que os Bancos devem deixar a guarda do Banco Central (reservas Obrigatórias) e na Taxa que regula a cedência pelo Banco Central de liquidez aos Bancos (taxa de redesconto). Como conseqência os juros dispararam para os níveis que conhecemos hoje.
O custo fiscal de tais medidas é nulo, mas o custo económico começar a atingir proporções gingatescas!
Ora, uma vez que as receitas do Tesouro até já devem ter recuperado o seu comportamento normal, em função da subida do preço do petróleo nos últimos meses, então não faz sentido manter as medidas restritivas de liquidez (significa afrouxar o nivel das reservas obrigatórias e diminuir a taxa de redesconto - era isso que indirectamente o Dr Álvaro Sobrinho estava, com razão, a pedir!) mas sobretudo, é preciso voltar a adoptar o mecanismo de esterilização antecipada das receitas petrolíferas, por via de Leilões Competitivos de Divisas.
Isso vai nos dar uma taxa de câmbio competitiva que por si só evitará a práctica de operações cambiais abusivas. Se esta economia tem de funcionar, então é preciso flexibiliar as operações cambiais para importações, invisíveis correntes e viagens a taxas de câmbio flutuantes do mercado secundário.
Se mesmo assim ainda se duvidar das responsabilidades que os Bancos têm na auto regulação do sistema financeiro, então o Banco Central poderia licenciar à posteriori algumas dessas operações cambiais (sem esquecer que o País já aderiu ao livre fluxo de capitais nas operações da Balança de Transações Correntes - conforme mandam os Estatutos do FMI).
O crescimento económico decorre de tudo isso. Com estabilidade fiscal, monetária e cambial, crescemos.
Sem isso não crescemos!
Mas contrariamente ao JCRC, eu não creio que uma economia em que o Petroleo representa mais de 50% do PIB possa crescer sem se recorrer às reservas acumuladas pelo sector petrolífero.
A liquidez do sector petrolífero deve servir sim para alavancar o crescimento do sector não petrolífero através da importação de bens de capital, importação de tecnologia de ponta e investimento em projectos de longa maturação."
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JCRC disse...
Meu caro,
Penso que já tinha dito nesta casa que a política monetária angolana é completamente inovadora, não há manual nenhum de economia que sugere o aumento das taxas de juro como receita para combater o crescimento fraco.
Álvaro Sobrinho está certo quando diz que taxas de reserva obrigatória de 30% reduzem significativamente o espaço de manobra dos bancos, sobretudo se considerarmos que os títulos de dívida públicos são remunerados à 24%, ou seja, o banco comercial não pode emprestar dinheiro em kwanzas abaixo da taxa directora (24%) porque em alternativa podem deixar o seu dinheiro no BNA e receber mais 24% no fim do ano, ou seja, não esperando fortes desvalorizações/depreciações do kwanza, para quem tem muitos kwanzas, aplicar em TBCs é o melhor investimento que existe no país.
Com a intenção de acumular dinheiro para fazer face as suas despesas o governo orientou o BNA à:
(i) aumentar a taxa de reserva obrigatória e (ii) aumentar a taxa de juro de referência (TBC) que tem muitos contras:
1. Congelamento do crédito nos bancos comerciais
2. Forte taxa de incumprimento dos clientes que contraíram créditos a taxas variáveis no "bom tempo"
3. Baixo investimento privado (sector não petrolífero)
4. Sem investimento, não se criam empregos
5. Forte pressão inflacionista por estrangulamentos no processo de importação de mercadorias.
Os nossos governantes venderam nos últimos anos a imagem do "trabalho do governo" quanto ao crescimento registado (2003-2008), mas muitos atentos sempre chamaram a atenção para o petróleo que foi o principal factor do crescimento (aumento da produção e dos preços, sendo que quem produz são estrangeiros e os preços são ditados no mercado).
Num mundo com petróleo mais barato e com restrições da OPEP (quem teve esta ideia de nos amarrar ao cartel dos sauditas?) os nossos dirigentes têm demonstrado uma incapacidade constrangedora.
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Gil Gonçalves disse...
Sobre os comentários dos nossos doutos economistas.
No fundo são meras discussões académicas, das quais quase há cinquenta anos nelas nos perdemos. Quando a coisa é tão fácil de tratar, como disse António Champallimaud: o que é necessário é um governo que governe, quadros que dirijam e trabalhadores que trabalhem.
Teorizar a vaidade não adianta, até porque a ciência económica vale-se e perde-se no desentendimento da pura demagogia.
Excepção para os verdadeiros doutores em economia, os quais respeito e admiro. Vicente Pinto de Andrade e Justino Pinto de Andrade.
27 de Abril de 2010 20:26
Gil Gonçalves disse...
E meus caros, o problema não é económico, é político.
28 de Abril de 2010 11:22
JCRC disse...
Amigo Gil,
Angola tem dois problemas: político e económico, como deve calcular, estão umbilicalmente ligados.
A política económica de Angola é simples: vender petróleo.
É o caminho da facilitismo, a reformas necessárias não são feitas.
Mais ganharia o país de o excedente da Sonangol fosse investido na indústria no sentido da diversificação em vez de comprar todos os bancos da praça com aval do governo.
Se em vez de investir no imobiliário português investíssemos na alta educação melhor colocado estaria o país.A "nossa" crise económica era anunciada (O Manuel Nunes Jr. é que demorou a acordar) desde a campanha elitoral, porque quando os grandes caem, o preço das matérias-primas caem também. Claro que a diversificação não basta para se proteger de crises internacionais, é preciso uma procura interna forte e enquanto não se melhorar distribuição de rendimentos (como fez o Brasil), não chegamos lá.
29 de Abril de 2010 12:20
JCRC disse...
WD,
Claro que o problema é mais complexo.
A esterilização, na prática, consiste em vender dólares no mercado primário.
O BNA absorve os kwanzas dos bancos comercias e estes ficam com dólares para responder as necessidades do seus clientes, este sistema que muito fez pelo processo de desinflação, contribui igualmente para o agudizar da economia "com duas moedas" (kwanza e dólar).
A esterilização é na verdade um mecanismo de gestão de moeda, o modelo definido para o kwanza requer largas somas de divisa para satisfação da procura.
Quanto as receitas fiscais do petróleo caíram, o BNA passou a usar Reservas Internacionais (RIL) para manter o valor da moeda, mas quando as RIL reduziram-se assustadoramente, o BNA viu-se obrigado a reduzir o fluxo da torneira e o kwanza caíu.
Aí fica exposto o problema da dependencia do petróleo, o país precisa de exportar mais bens para ter fontes alternativas de divisas, de outra forma continuaremos a viver a boleia do Oil&Gas.
O mecanismo de esterilização de divisas, só voltará aos níveis ateriores quando a arrecadação de divisas aumentar à um nível que permita ao BNA vender dólares sem prejudicar as RIL.
29 de Abril de 2010 12:41
Gil Gonçalves disse...
Uma escravidão atrai outra escravidãoA economia depende em absoluto do sistema político. É como um exército, que depende do seu general. Se ele for bom estratega, há desempenho, vitórias.Hitler chegou onde chegou porque tinha bons generais. Pelo contrário, Mussolini estagnou porque tinha maus generais.Em suma: a economia depende do chefe. Se ele não funciona, a economia arrasta-se, afunda-se.
29 de Abril de 2010 21:24