segunda-feira, 7 de março de 2011

Luanda esteve demasiado calma para uma segunda-feira

No momento em que escrevo este apontamento (17.30 locais), pode-se dizer que Luanda não conheceu nenhuma movimentação de protesto digna de realce, embora a cidade tenha observado uma calma muito pouco normal para o primeiro dia de trabalho da semana. As férias escolares de carnaval podem explicar em parte esta acalmia, mas efectivamente parece haver uma outra explicação que só pode estar relacionada com a tal manifestação que acabou por não acontecer; que depois de tudo quanto teve lugar na última semana também muito dificilmente poderia ter lugar, pois a polícia em circunstância alguma iria permitir a concentração das pessoas no local previsto, que foi o que efectivamente aconteceu. Para além das detenções que foram feitas logo às primeiras horas da madrugada desta segunda-feira no Largo da Independência, não me parece que tenha acontecido mais algum facto noticiável que se possa enquadrar na manifestação convocada para este 7 de Março, a partir da Internet/redes sociais/facebook. Ao que se sabe, todas as pessoas detidas pela Polícia, onde constavam 3 jornalistas do Novo Jornal, já foram soltos. A fazer fé nas declarações da jornalista Ana Margoso à SIC-Notícias, uma vez mais a polícia portou-se muito mal com os jornalistas, ignorando completamente o principio da liberdade de imprensa e do respeito pela actividade jornalística. Margoso disse que depois de terem pernoitado numa cela, foram obrigados a fazer a fazer uma humilhante faxina, antes de serem postos em liberdade. A Emissora Católica de Angola perguntou-me se a montanha tinha parido um rato. Acho que a montanha não se chegou formar, por isso acabou por não parir nada, como também era mais ou menos prevísivel, sobretudo depois do MPLA/Governo ter posto em marcha a sua gigantesca operação de intimidação a nível nacional que culminou com a realização das ameçadoras marchas do passado sábado em todas as capitais de província. Mesmo com toda esta parafernália, ainda houve coragem para pouco mais de uma dúzia de jovens se deslocarem esta segunda-feira ao Largo da Independência, onde acabaram por ser detidos. Claramente e depois de ter constatado que o incêndios do norte poderiam chegar a Angola, o MPLA resolveu colocar as suas já longas barbas de molho, não fosse o diabo tecê-las. De facto, se há algo com que o MPLA não gosta mesmo de brincar é com o poder, isto é, com a sua conservação e manutenção na perspectiva da sua eternização. Até ver e tendo em conta a actual realidade política angolana, o MPLA deixou de admitir qualquer "cura de oposição", como cenário possível. Agora também estou convencido que os organizadores virtuais do que poderia ter sido a montanha vão certamente fazer um balanço muito positivo desta primeira entrada em força da internet na vida política angolana, como sendo o novo recurso da sociedade civil para tomar posições, manifestar descontentamentos, criticar os poderes públicos, debater ideias, procurar soluções, encontrar alternativas, mobilizar vontades, criar factos políticos extraordinários. Uma grande parte da sociedade em muitos países já se deixou de rever na forma mais clássica de fazer política em democracia através dos partidos e respectivas constelações no âmbito das instituições criadas pelo sistema representativo. Esta parte da sociedade, constituída sobretudo pelas camadas mais jovens, cada vez se sente menos representada nas instituições, cada vez acredita menos no sistema, porque as soluções para os graves problemas sociais, como o desemprego, tardam, enquanto observam as assimetrias e as desigualdades a aumentarem, tendo como pano de fundo uma retórica permanente que já não os convence das boas intenções dos políticos. Acredito que Angola já faça parte deste número de países, onde a Internet é a nova estrela da companhia, mesmo tendo em conta a percentagem insignificante dos angolanos que têm acesso à rede mundial dos computadores. Em termos de mobilização e de reacções ao mais alto nível, o que conseguiu este movimento virtual do 7 de Março com esta tentativa é algo de muito concreto que já não pode ser ignorado e que se vai poder avaliar melhor mais lá para frente. Em meu entender toda esta movimentação já começou a ter um impacto muito directo no desempenho da própria governação e vai muito provavelmente animar e aprofundar o debate político no seio dos "camaradas" que em Abril estarão reunidos em Congresso Extraordinário. Consta que, nesta sequência, uma série de dossiers sociais que se encontravam embarrados por força da habitual inércia/falta de transparência/corrupção do Executivo, já foram desbloqueados. Fala-se, nomeadamente, do pagamento de salários atrasados e de patenteamentos na polícia e nas forças armadas. No debate deste domingo no TPA-Actualidade, eu o Ismael Mateus estivémos de acordo em relação ao carácter precipitado e desproporcional da reacção do Governo, que acabou de facto por valorizar o apelo dos virtuais organizadores da iniciativa, que à esta hora devem estar a esfregar as mãos de contentes. De facto a Internet tem esta grande vantagem. O investimento é mínimo. O risco quase não existe, sobretudo quando se está fora do país. Acredito também que MPLA/Governo, apesar de todo o nervosismo, de ter corrido atrás do prejuízo e de mais uma vez se ter fartado de dar tiros nos seus pés, aproveitou da melhor forma a oportunidade criada, para testar as suas "tropas" em todo o país, pois já cheira efectivamente a eleições, o que levou o seu Vice-Presidente, Roberto de Almeida, a desejar, em jeito de desafio, que as mesmas se realizassem já no próximo mês, se tal fosse possível.