Em meu entender, quando já começa a cheirar a eleições, o país está apenas a conhecer uma acentuada subida do mercúrio do seu termómetro político, o que em democracia é absolutamente natural e prevísivel.
Provavelmente, estará a verificar-se um aproveitamento (estratégico) político-partidário menos transparente da actual conjuntura criada com os chamados ventos do norte, o que também é natural como mecanismo de defesa/prevenção por parte dos partidos que estão no poder, diante de algumas dificuldades que a sua governação enfrenta.
É a tal jogada de antecipação, muito usada no tabuleiro da política quer pelo poder, quer pelas oposições.
[No novo manual de sobrevivência/conservação dos regimes, chamado "48 Leis do Poder" de Robert Greem e Jost Elffers, a lei número 2 sobre a utilização dos inimigos (se não tem um, invente) e a número 26 sobre o bode expiatório (mantenha as mãos limpas), ajudam-nos a perceber melhor este tipo de manobras que os governos fazem recurso, sempre que estão em apuros.]
Não faz qualquer sentido a tentação de se restringirem os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos com base na existência de uma tal suposta ameaça, sendo antes pelo contrário recomendável que os canais de diálogo entre governantes e governados se multipliquem e se intensifiquem no sentido de se tornarem mais abrangentes e profícuos, porque de facto Angola vive uma crise social que herdou da guerra, sendo vísivel o aumento do descontentamento popular, sobretudo no seio das camadas mais jovens.
As marchas/comícios/bebícios/maratonas funcionam como bons testes de popularidade, mas nas condições concretas de Angola e tendo em conta a grande vulnerabilidade social das populações e os métodos pouco ortodoxos utilizados na mobilização dos "marchosos", elas não são por si só suficientes para tirar conclusões mais definitivas em relação ao clima político e muito menos funcionam como instrumentos sustentáveis para resolver problemas sociais.
Disse no debate que o que parece, nem sempre é e que terminadas as marchas as pessoas voltam à sua condição de vida e constatam que está tudo na mesma.
Passados que são nove anos desde que as armas se calaram, vai sendo cada vez mais dificil ao Governo justificar a ausência de resultados sociais mais satisfatórios, apenas com a alegação de que o tempo transcorrido ainda não é suficiente, por causa das várias décadas de guerra.
Será que vamos precisar dos mesmos anos de guerra para em tempos de paz conseguirmos dar solução aos problemas?
[A solução é melhorar rapidamente o desempenho da governação, combatendo com actos concretos a corrupção, a falta de transparência e o despesismo público, numa frente em que de facto não está haver vontade política suficiente para se inverterem as actuais e preocupantes tendências, que quanto a nós explicam em grande medida, a ausência de resultados mais satisfatórios na luta contra a pobreza, a fome e o desemprego, tendo em conta os colossais recursos públicos que são desviados ou que estão a ser muito mal geridos.]
A realização este fim-de-semana de actos políticos de massas organizados pela UNITA, nomeadamente, em Luanda e no Sumbe, sem qualquer tipo de incidentes, prova que o país não está a viver nenhuma situação mais crítica do ponto de vista da segurança/estabilidade, pelo que de facto não se justifica qualquer abordagem da actual conjuntura que não tenha em conta a salvaguarda/defesa dos princpios fundamentais do Estado Democrático de Direito, conforme eles estão plasmados na Constituição.
Parece-me haver de facto uma deriva totalitária que ainda é uma tentação, mas que pode de facto transformar-se em realidade a curto prazo, se os sectores mais moderados do partido da situação não fizerem valer as suas posições/conselhos.
O discurso de BB pronunciado no final da "marcha patriótica" é efectivamente preocupante.
Esperemos que seja apenas mais um, dos muitos de triste memória que já passaram por aqui e que não deixaram qualquer tipo de saudades, com as devidas excepções.