Eu fui uma dessas pessoas, possivelmente até aquela que nas colunas da imprensa mais se destacou na defesa da Taag do "ataque" europeu que resultou de uma iniciativa dos franceses.
Pesssoalmente não gosto muito da forma (paternalista e arrogante) como os franceses, de uma forma geral, se relacionam com os africanos. Estando o mundo cheio de preconceitos, eu também devo ter os meus. Esta opinião que tenho dos descendentes contemporâneos do Astérix e do Obélix será, provalvemente, um preconceito. Se for o caso ainda melhor, porque acho que em todos os países deste mundo há malta porreira, há os bons, os maus e os vilões. Os franceses não devem ser excepção.
Não me arrependo, contudo, de ter feito esta defesa, porque na altura sempre deixei bem claro que a Taag estava muito longe de corresponder aos padrões internacionais numa industria em que os erros técnicos se pagam demasiado caro, se pagam, por vezes, com centenas e centenas de vidas humanas, como uma vez mais ficou patente do desastre de Madrid.
Sempre deixei claro que a Taag, como companhia de transporte aéreo, ainda estava muito longe de atingir o patamar da excelência neste negócio altamente sensível que é carregar pessoas e bikuatas por este mundo afora. Para os meus botões sempre disse que a Taag nunca não tinha deixado de ser a DTA do tempo colonial, isto é, que continuava a ser um departamento governamental com excesso de mão de obra, sem uma cultura empresarial definida e a viver permanentemente de subsídios e de injecções do tesouro.
Sendo propriedade de quem é, a Taag dificilmente poderia ter um outro desempenho. Veja-se o caso da falência da Angonave-Unidade Económica Estatal (UEE) e estude-se o processo que conduziu ao descalabro da referia empresa pública com cinco navios de longo curso num país que sempre viveu de importações. Só mesmo o dono da Angonave UEE pode explicar como foi possível uma tal falência.
Achei, entretanto, que a penalização decretada pela UE por iniciativa dos franceses podia ter outras motivações menos transparentes e que era excessiva para os interesses da empresa-país, numa altura em que largos milhões de dólares tinham saído dos nossos bolsos para a renovação da sua frota.
Disse na altura que muito dificilmente a Taag voltaria um dia destes a sulcar os céus europeus, que no fundo a estratégia era "limpar" o espaço aéreo continental e internacional da presença de companhias africanas, o que tem vindo a acontecer, mais por culpa da incompetência dos nossos parentes do que propriamente por força dos desígnios europeus. A Taag foi uma das últimas a resistir a esta "limpeza étnica" ao sul do Sahara.
Aqui fica pois o meu mea culpa por ter defendido a Taag, com a consciência tranquila de quem achou que na altura era a posição mais acertada em defesa dos interesses nacionais (não confundir com interesses governamentais).
Não mudei muito as minhas convicções, mas hoje reconheço que a Taag tem de ser submetida a um verdadeiro tratamento de choque, o que só será possível se o seu proprietário estiver realmente de acordo e interessado, para além das intenções e das comissões que se criam e depois desaparecem "misteriosamente" sem nunca terem apresentado o resultado do seu trabalho.
Este é, certamente, o caso da Comissão que há um ano atrás foi encarregada de estudar e propor a melhor estratégia para o desenvolvimento do sector público do transporte aéreo (Taag e Sonair).
Está mais claro do que nunca que os problemas são profundamente estruturais e muito mais abrangentes do que se pensava , com o dedo apontado a entidade supervisora que nesta altura é o INAVIC.
Foi a ausência de uma efectiva regulação do sector que permitiu que a aviação civil angolana chegasse ao ponto que chegou, depois da IATA ter aberto a porta à interdição de todas as companhias angolanas.
Um mea culpa com a consciência ainda mais tranquila por ninguém me ter encomendado o sermão, que saíu deste "laboratório", numa iniciativa da nossa exclusiva responsabilidade e competência.
Um mea culpa sem culpa formada.