quarta-feira, 5 de maio de 2010
A crítica foi inventada para ser usada
Todos parecemos estar de acordo em relação ao papel positivo e necessário da crítica no desenvolvimento de qualquer sociedade.
Entenda-se aqui a crítica como sendo um julgamento sustentado sobre qualquer matéria ou assunto.
Por outras palavras, já faz parte dos lugares-comuns do discurso quotidiano ouvir dizer que uma sociedade onde a crítica não está disponível por diferentes razões, tem desde logo o seu desenvolvimento integral comprometido ou seriamente ameaçado.
Claramente é uma sociedade que dificilmente poderá competir com uma congénere, onde a crítica funciona normalmente, com todas as suas consequências positivas e negativas.
Como se sabe, o chamado criticismo também pode não ser a melhor solução para se resolverem os problemas.
O nosso acordo termina, entretanto, imediatamente quando o alvo da crítica passamos a ser nós, se a mesma não nos agradar por algum motivo.
Aí a crítica deixa de possuir as grandes virtualidades que teoricamente lhe reconhecemos, para passar a ser um ataque, uma campanha, uma conspiração, um atentado, uma calúnia, uma injuria, uma difamação.
Sendo (ainda) normal esta reacção na nossa sociedade, não podemos aplaudir e muito menos encorajar todos aqueles que estão do lado deste tipo de intolerância, reconhecendo-lhes embora o pleno direito de assim ajuízarem determinada crítica, no âmbito da própria liberdade de expressão, se não houver outras consequências, para além do sempre recomendável e estimulante debate de ideias/opiniões, de preferência no espaço público.
Por exemplo, a literatura, o cinema e a televisão são actividades que provocam naturalmente a crítica de quem os consome, por razões demasiado óbvias.
São "mercadorias" que atingem a nossa sensibilidade, são "produtos" que jogam com os valores mais estruturantes da nossa personalidade.
As pessoas ou gostam ou não gostam. Reagem de forma favorável ou negativa. Aclamam ou protestam. Mas também podem ser indiferentes.
Umas manifestam-se em público, como é o nosso caso e de muitas outras pessoas que fazem parte da denominada opinião publicada, que é tão livre como a outra que não se publica.
Outras ficam-se por conversas mais privadas, mas não deixam de fazer circular a sua opinião.
Sendo tais "produtos" consumidos no espaço público, do qual dependem em termos de sobrevivência, não há nada que impeça que esta crítica se processe de forma quase espontânea, a não ser que o referido espaço esteja a ser gerido por algum poder ditatorial. Aí as regras alteram-se profundamente.
Felizmente que Angola há muito deixou de viver este pesadelo não havendo da parte dos angolanos, pelo que julgo saber, nenhuma intenção de regressar aos anos de chumbo e das cadeias cheias com delitos de opinião.
Quem quer vender, e no seu próprio interesse, tem que saber se o consumidor está a gostar ou não do produto, antes de mais para manter a sua actividade em velocidade de cruzeiro, evitando derrapagens desnecessárias e corrigindo sempre que necessário a trajectória do voo.
Quando não for possível esta correcção de imediato, o que daqui se recomenda é o estabelecimento de uma ponte com o público, antecipando os esclarecimentos ou as justificações que se imponham.
Ignorar a realidade ou fazer o filme da avestruz é que não nos parece que seja muito aconselhável.
Não conseguimos por isso entender que quem esteja a operar no espaço público, por exemplo com um projecto televisivo, não esteja preparado para encaixar uma crítica e veja de imediato nela um ataque com propósitos inconfessos ou menos transparentes.
Fica muito difícil perceber esta lógica a caminho dos 35 anos da nossa dipanda, 18 dos quais já passados em regime democrático.