terça-feira, 11 de maio de 2010
O grande equívoco do Manaças [2](revisto)
A independência do jornalismo (é preciso que nos entendamos a este respeito) não choca com o facto das empresas jornalísticas serem propriedade do Estado ou do capital privado.
Ou seja, o facto de uma empresa ser privada não garante de per si a independência do jornalismo, enquanto "quarto poder", estatuto que decorre de um direito fundamental chamado LIBERDADE DE IMPRENSA, ao abrigo do qual está proibida a censura e consequentemente a auto-censura.
Temos entre nós o caso do Novo Jornal que espelha bem a existência de um conflito entre os proprietários da New Média (NM) e a redacção daquele semanário, por razões que têm a ver a com a estratégia editorial que tem vindo a ser seguida.
Por outras palavras, os accionistas privados da NM não gostam da forma "demasiado independente" como a dupla VS/GC tem estado a conduzir editorialmente o jornal, por isso resolveram "agir", numa altura em que ainda não se sabe muito bem como é que vai terminar a história.
Por outro lado, uma empresa tutelada pelo Estado não é por si só uma ameaça à independência do jornalismo, sendo a BBC um exemplo deste relacionamento com muitos conflitos à mistura entre o poder político e os jornalistas que trabalham naquele conglomerado público.
Em qualquer situação, com maior ou menor pressão do proprietário, seja ele público ou privado, é sempre possível e recomendável que os jornalistas demarquem (na medida do possível) o seu território, assumam uma postura independente, enquanto profissionais, mesmo que isso lhes possa custar alguns amargos de boca.
É esta luta permanente que tem vindo a contribuir para a independência e o respeito do jornalismo com todos os altos e baixos que se conhecem.
Tal como acontece noutros domínios da transição democrática em Angola, também aqui estamos diante de um processo em marcha, com avanços e recuos em função da conjuntura, não havendo ainda uma situação marcada pela chamada velocidade de cruzeiro. As turbulências continuam a ser mais do que muitas, afectando a estabilidade de um voo demasiado estratégico para os interesses politico-partidários de quem nos governa há cerca de 35 anos.
A independência não é, pois, um "mito" e muito menos um "fantasma" que nos deve assustar.
É um ideal, é um principio, é uma disponibilidade mental, é uma realidade com todas as limitações que as diferentes conjunturas (nacionais/empresariais) lhe possam colocar em termos de desempenho.
Não é por conseguinte aceitável que o meu amigo Manaças reduza a problemática da independência no jornalismo a uma simples questão de diferença de linhas editoriais, procurando assim evitar o debate concreto que, no caso do seu diário, aponta, nomeadamente, para a existência de uma postura editorial que não respeita alguns principios estruturantes da produção jornalística.
Segundo a académica brasileira Rosa Nívea Pedroso,"o ideal do jornalismo responsável e de qualidade impõe ao jornalista o exercício diário do desafio da separação para suportar o Outro, o diferente".
Separação, quanto a nós, das águas que mais gostamos, mas que não nos deviam influenciar na apreciação do Outro, que por vezes até podemos detestar no âmbito das nossas opções mais pessoais.
Por já ter sido militante (já lá vão mais de 35 anos), eu sei que não é fácil fazer esta separação, particularmente para aqueles que pertencem aos comités de especialidade e que fazem da agitação e propaganda a sua cartilha.
Mais do que as proclamações editoriais de se caminhar por aqui ou por ali ou de se defender este ou aquele modelo comunicacional, são os principios estruturantes que acabam por constituir a essência da própria independência do jornalismo e dos jornalistas que, antes de assumirem qualquer posição, quando tal fôr estritamente necessário, devem procurar, sobretudo, informar com a necessária objectividade e distanciamento crítico dos factos/fontes em apreciação.
Tal só será possível se, por exemplo, num conflito, seja ele político ou empresarial, todas as partes envolvidas forem ouvidas e a suas opiniões devidamente valorizadas na matéria final.
É o que o "nosso Pravda" por vezes se "esquece" de fazer, para além de outros "esquecimentos" que são mais do que muitos...
A independência no jornalismo tem pois mais a ver com com a postutra ético/deontológica do profissional, do que com as tais proclamações editoriais ou com a tutela (propriedade) do órgão para quem ele esteja a trabalhar.
Continuo assim a pensar que é de todo aconselhável que o jornalismo e os jornalistas sejam independentes.
Como a própria liberdade, também a independência tem os seus limites.
Nos dois casos, o problema é saber quem é que (e como) estabelece os tais limites.