sexta-feira, 14 de maio de 2010
Que modelo de gestão para a comunicação social pública?
Ponto prévio:Considerando a importância, a actualidade e a pertinência do debate proposto pelo Ismael Mateus no texto que publica este fim-de-semana no SA, com a devida vênia, retomamos aqui na íntegra o seu "Voto na Matéria".
"O debate sobre os modelos de gestão das empresas públicas, sobretudo de rádio e televisão, não é novo nem em Angola nem noutros pontos do país. Aliás no nosso caso nem há debate sequer. Todos parecem sentir por um lado a necessidade de deixar a nova ministra trabalhar e, por outro, de deixar que rapidamente se chegue a decisões para acabar com a agonia – a lenta e desesperante agonia de milhares de trabalhadores que se queixam da falta de salários, da falta da autoridade e do clima de incerteza que se instalou nos órgãos públicos, sobretudo rádio e TV.
Há muitos anos que a discussão sobre o modelo de gestão abarca a vertente administrativo-financeira e editorial. As diferentes experiencias mundiais procuram sempre responder a estas duas questões, ou seja conceber uma estrutura que ao mesmo tempo dirija os órgãos como empresas normais orientadas para a rentabilidade e para o lucro e atenda a especificidade jornalística.
A BBC britânica assenta a sua credibilidade numa estrutura que começa num órgão chamado BBC Trust (12 conselheiros independentes nomeados pela Rainha sob proposta governamental) que por sua vez dá aval e analisa anualmente o desempenho do Executive Board. É este executive que por sua vez escolhe e avalia o trabalha de um conselho de administração composto por administradores executivos a partir da BBC e seis administradores não executivos do exterior. É presidido por um Director-Geral e do Director-Geral Adjunto. O director-geral é o executivo-chefe e editor-chefe da BBC e é nomeado pela BBC Trust. Os outros membros do Conselho são nomeados pelo Comité de Nomeações e pelo Executive Board, com funções não executivas que exigem aprovação da BBC Trust.
Na Alemanha, a ARD e a ZDF integram 16 emissoras públicas de 12 estados e ambas são dirigidas por dois conselhos: o de Radiodifusão e o de Administração.
Em Portugal a RTP tem um conselho de administração que indica os directores de programas e de informação e inclui um administrador para a esfera editorial. Antes esse mesmo conselho possuía ao invés de um administrador, um director coordenador nomeado por si. O ajuste decorre do facto do director coordenador passar a administrador. A ERC, Entidade Reguladora da Comunicação Social exerce um papel de vigilância quanto à autonomia editorial.
Esta pequena viagem por diferentes modelos de gestão publica pretende apenas lembrar que, na verdade, não se trata apenas de uma gestão. Existe a gestão administrativa e financeira que deve ser exercida realmente por gestores profissionais e a gestão editoria que habitualmente se designa por autonomia editorial. A autonomia editorial é um espaço exclusivo dos jornalistas. A estrutura e o modelo que forem adoptados devem estar devidamente claros para que se evitem conflitos. Aparentemente, o modelo português deve ser seguido mas então convém clarificar desde logo as competências e as áreas de intervenção de cada um dos poderes, tendo em conta sobretudo a nossa angolana tendência para as interferências e demonstrações de poder. Se cabe ao conselho de administração gerir salários, orçamentos e recursos humanos, cabe aos jornalistas gerir os noticiários e programas. Nos exemplos citados existe uma pratica de separação de poderes e ainda assim nalguns países faz-se recurso a órgãos independentes como conselhos de curadores, de opinião ou até com a ERC em Portugal para avaliação do grau de isenção e autonomia editorial dos jornalistas.
Com a nova constituição e com o actual discurso político estamos finalmente de acordo, pelo menos publicamente que os órgãos públicos devem funcionar com base na gestão democrática, plural e participativa, promovendo valores como a pluralidade e diversidades política, cultural e social, em especial os aspectos regional, de gênero, étnico-racial e de classe. É necessário também que eles promovam a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia e, ao nível individual, promovendo o talento, a criatividade, o saber e questões afins.
Para isso, é preciso assegurar a autonomia editorial, salvaguardar e incentivar ao cumprimento da ética e deontologia jornalísticas.
A gestão em si dos órgãos de comunicação social públicos por gente alheia ao sector deve ser elogiada. A questão não é serem ou não jornalistas que está em causa. Infelizmente, é necessário reconhecer que, longe de estabilizarem o sector, alguns dos nomeados nos últimos anos foram focos de instabilidade e desunião. Mesmo do ponto de vista ético e, nalguns casos surpreendentemente pela negativa, não foram exemplos de bom jornalismo nem de bóia administração. As empresas publicas necessitam de um saneamento total e cabe ao executivo incluir nos conselhos de administração gente com coragem e perfil para reduzir o pessoal, reduzir custos e até mesmo reduzir o peso estrutural das empresas.
Não se pode no entanto perder de vista a questão da credibilizaçao dos órgãos do ponto de vista editorial. A nova constituição e o discurso político vigente empurra os órgãos para uma prestação mais isenta, mais responsável e mais jornalística. Menos propagandística e menos bajuladora. A reforma na gestão tem de atingir também as estruturas editoriais. Como em muitas áreas de actividade não se cometa o erro de procurar homens perfeitos para os lugares certos.
Em cada órgão existem pessoas que podem preencher estas exigências de uma melhor gestão editorial. Não necessidade de recorrer a “paraquedistas”, sendo apenas necessária a criação de estrutura de regulação (provedores por exemplo) e opinião para que os editores, chefes de redacçao e directores de informação não tenham um poder desmesurado nem os conselhos de administração se permitam determinar regras nos programas e noticiários.
Em tudo o resto, isso é matéria pacifica e o executivo deve avançar rápido e em força para os conselhos de administração, incluindo nas edições Novembro onde o lugar de director de cada um dos três títulos deve voltar a ter o seu peso meramente jornalístico e editorial e, obviamente, assegurado por jornalistas.
O Conselho de administração deve actuar ao nível das Edições Novembro".