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O prof. Costa Andrade veio até nós com a sua bagagem a transbordar de conhecimentos numa área da ciência jurídica - a do direito relacionado com a liberdade de imprensa e a comunicação social- onde localmente o défice é verdadeiramente assustador, a levantar outras questões mais delicadas até no plano da própria honestidade intelectual.
O reparo nada simpático é naturalmente dirigido aos nossos juristas ou a uma parte deles que nos últimos tempos se têm pronunciado sobre a matéria, com um visão tão redutora do fenómeno, que os atira definitivamente para a prateleira dos “advogados do diabo”, onde de facto estão a prestar um bom serviço.
O recurso a esta expressão só aparentemente poderá ser considerada ofensiva, uma vez que é nossa intenção colocar, o mais fundo possível, o dedo numa ferida que tem a ver com o papel dos intelectuais na nossa sociedade.
Trata-se de uma ferida já crónica, um verdadeiro "mabute".
Depois de todas as lições que à esquerda e à direita a história foi generosa em dar-nos, a este respeito somos resolutamente partidários de uma postura assumidamente independente da parte dos intelectuais em qualquer sociedade e contexto político, o que não põe em causa as suas eventuais opções partidárias ou eleitorais. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Criticar o “camarada Presidente” já não pode ser mais uma heresia, nem motivo para prolongadas travessias no deserto. Desgraçadamente ainda é.
Depois de tudo aquilo que nos foi dado a ouvir da boca do Prof. Costa Andrade - para total conforto e integral satisfação das nossas preocupações- pouco haverá mais para acrescentar em termos académicos ao debate sobre a liberdade de imprensa e os seus limites. Os tão famosos limites que os nossos “advogados do diabo” querem hoje transformar no próprio fundamento de um direito constitucional que é a liberdade de imprensa.
Mais do que isso, conforme frisou Costa Andrade referindo-se à liberdade de imprensa, estamos diante de uma verdadeira instituição do estado democrático, que ultrapassa os jornalistas e as suas makas com os políticos e vice-versa, para se apresentar como um dos pilares da própria sociedade, sem o qual é impensável falar-se em democracia.
Quanto à pretensão de alguns nossos juristas relacionada com o “acantonamento” deste direito constitucional chamado liberdade de imprensa, lamentavelmente, e por tudo é possível constatar, ela já é uma realidade a ter em conta o comportamento da policia e da sua claque estridente que esteve particularmente activa durante o recente debate parlamentar.
Puxando abertamente o “cacusso para o nosso carvão”, diríamos que a liberdade de imprensa é a única garantia que os cidadãos têm rapidamente à sua mão para “sobreviverem” individualmente, sobretudo quando os “poderes democráticos” começam a ter ataques de caspa, de tosse convulsa ou de nervos de galinha.
São sintomas que, diariamente, vamos observando por estas bandas onde, em abono da verdade, o “estado de sitio” é já uma realidade, que os diferentes porta-vozes do regime tentam pintar de amarelo e de outras cores mais simpáticas.
Algumas das liberdades fundamentais em Angola estão efectivamente suspensas, estando o seu exercício dependente agora do bom ou mau humor das autoridades administrativas, que vão assim permitindo algumas “manobras” da malta. Depois fazem discursos inflamados dizendo que só num país onde há liberdade de imprensa é que a mesma pode ser discutida tão abertamente. O sofisma chega a ser brilhante, mas já não convence ninguém. Em qualquer parte do mundo o problema do exercício das liberdades está na ausência do medo; medo este que, como se sabe, é neste momento o principal produto distribuído pelas diferentes agências governamentais que se ocupam da “aplicação” da lei.
Em Angola o medo de ir parar a uma cadeia imunda e infecta é tão grande, tão grande, que paralisa os mais corajosos, por isso é que a coragem neste país precisava de outros programas televisivos e radiofónicos mais abrangentes que nos falassem deste valor em todas as suas dimensões.
E poderíamos iniciar este novo “nação-coragem” começando por contar a história recente daquela senhora que ainda teve a coragem de ligar do seu armazém no Roque Santeiro para a Rádio Luanda denunciado alguns militares que depois de lhe terem vendido alguma mercadoria desviada de um quartel qualquer desta cidade, voltaram a aparecer para levar a mesma mercadoria ou pedirem mais dinheiro.
Histórias destas existem por aí aos pontapés. São histórias simples mas cheias de coragem que falam bem da forma como os angolanos sobrevivem nas fronteiras do desespero, fustigados pela inclemência e a voragem de um clima politico-militar onde tudo que é atentado aos direitos fundamentais da pessoa humana se justifica facilmente. Depois da guerra isto resolve-se.Somos efectivamente uma “nação-coragem”, que sobrevive debaixo de um permanente fogo cruzado que não poupa ninguém.