quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
(Flashback/Fevereiro 2004) A vitória do Unidos do Caxinde
Ponto prévio: Sou um fã incondicional do Unidos de Caxinde, clube a que aderi, sem preencher qualquer ficha, desde a primeira hora em que o vi em movimento, embora nunca tenha desfilado na Marginal por razões político-desportivas facilmente compreensíveis.
O segundo lugar do Unidos de Caxinde é claramente um eufemismo ao contrário, entendido este palavrão da língua camoniana como um processo ou o resultado de uma troca linguística para evitar uma palavra desagradável, substituindo-a por outra ou outras de igual significado.
Para o soberano Júri que uma vez mais, pela terceira consecutiva, evitou a “desagradável” realidade que era a de entregar o primeiro lugar ao Unidos de Caxinde, a solução foi classificar a turma do Jacques na segunda posição.
Como se tratou de uma original solução eufemística, a conclusão só pode ser uma: O Unidos do Caxinde, por razões que se prendem com a mais elementar das justiças acabou por ser de facto o grande vencedor deste Carnaval de 2004, como já o deveria ter sido na edição anterior.
Fruto ou não, de todo um processo de difícil adaptação e/ou evolução entre a tradição e a modernidade, com muita pressão à mistura, o Júri deste ano do Carnaval de Luanda aproximou-se um pouco mais da “desagradável” realidade, que já não pode ignorar que o Carnaval é de todos quantos o queiram dançar na Avenida Marginal.
O Carnaval do século XXI deixou de caber nos espartilhos de regulamentos quase medievais, com todo o respeito e consideração que temos pelo passado.
É o mesmo respeito que o passado deve ao presente e ao futuro.
Só assim nos poderemos entender e equilibrar enquanto país plural, evitando imposições e dirigismos de determinadas cúpulas culturais, que actualmente já não estão mais autorizadas a representar o todo nacional, por força do principio democrático do um homem-um voto, um homem-uma sentença, um homem-uma opinião diferente.
Um homem ou uma mulher… tanto faz.
É em nome deste “malabarismo” que já ninguém pode passar ao lado da força, da representatividade, da imensa juventude e da crescente criatividade dos ainda considerados blocos de animação.
Até quando?
Efectivamente já não é possível segregar o Carnaval, como tem estado acontecer em nome de uma alegada preservação dos nossos valores culturais.
Isto quererá dizer que o presente e o futuro não produzem valores culturais tão dignos e consistentes como o passado?
Espero bem que não seja esta a conclusão a retirar deste “apartheid” silencioso em que vive o nosso Carnaval, tido, justamente, como a maior e mais representativa manifestação cultural do nosso povo. Mas só se for de facto de todo o nosso povo sem qualquer excepção.
Os organizadores do Carnaval de Luanda são assim por nós convidados a reflectirem profundamente sobre esta problemática e a oferecerem-nos, de preferência já no próximo um ano, uma outra competição aberta a todos, com os mesmos direitos e deveres.
Caso não venha a ser possível, então que se organizem dois concursos distintos para ver quem é que vai ganhar as simpatias da população.
De um lado teríamos o tal Carnaval da Tradição e do outro o dos blocos de animação, que já deram mostras do que são capazes. É só introduzir-se o estímulo competitivo para vermos o resto.
O resto, é muita juventude que já não tem nada a ver nem com reis nem com rainhas envergando as cores da antiga potência colonial que num passe de página foram transformadas nas actuais cores da independência e do partido único.
O resto, é este país extremamente complicado e injusto que estamos com ele e que tem de ser devidamente reflectido nas coreografias e nas letras das canções, com liberdade e frontalidade, o que ainda está muito longe de ser o que acontece actualmente com a auto-censura a manietar coreógrafos e a asfixiar compositores.
Apesar de já ter sido formalmente enterrado, o fantasma monolítico do Carnaval da Vitória inventado por Agostinho Neto em 1978, no calor infernal da brutal repressão contra os “fraccionistas”, continua bem presente, pelo que é preciso exorcizá-lo.
De uma vez por todas.