Foi com muito prazer que me encontrava no segundo grupo dos convidados, onde pontuavam políticos das mais distintas proveniências, jornalistas, empresários, juristas e por aí adiante, num desfile bastante diversificado e animado, como há muito não via.
O meu relacionamento com o VPA teve inicio há cerca de 32 anos na Prisão de São Paulo, na altura gerida pela tenebrosa DISA.
O VPA pela RA e eu pelo 27, estavamos naquele local nada hospitaleiro na mesma condição, numa época em que a vida dos angolanos tinha perdido grande parte do seu valor, tamanha era facilidade com que a "justiça revolucionária" os eliminava da face da terra.
Vivia-se o Termidor angolano, que continua até aos dias de hoje sem responsáveis e a espera que alguém lhe faça o balanço que se adivinha demasiado trágico.
Ambos eramos presos políticos da "democracia popular" que o MPLA tinha implantado em Angola. O VPA conhecia pela segunda vez o sabor amargo da falta de liberdade sem justa causa, depois de ter estado desterrado no Tarrafal por cerca de quatro anos a mando dos fascistas portugueses.
Mais amargo ainda era este sabor, porque nesta sua segunda reclusão, tinha sido encarcerado pelos seus próprios camaradas do MPLA, na sequência das insánaveis divergências internas que se tinham instalado no seio do Movimento e que perduram até aos dias de hoje.
Já conhecia o VPA antes, mas de facto considero a nossa passagem pelo São Paulo no já distante ano de 1977, onde ele já se encontrava desde 1976, como a principal referência histórica (inicio) de uma gratificante amizade com alguém que é hoje, seguramente, uma das personalidades mais sólidas e lúcidas da nossa vida política e intelectual.
Já referi que há muito que não participava de uma festa tão animada e tão diversificada até do ponto de vista político, que continua a ser o grande desafio deste país.
A diversidade política e a amizade nem sempre casam bem em Angola.
Aliás, têm mesmo alguma (grande) dificuldade em estar juntas, sobretudo em espaços mais intimos de confraternização.
Nas palavras que proferiu, VPA falou exactamente desta necessidade da família e da amizade serem valores eternos/sagrados, que a política não deveria condicionar ou questionar e muito menos pôr em causa, que é o que, lamentavelmente, tem acontecido amiúde entre nós.
Ofereci ao VPA uma cópia das declarações que ele em 1969, com 19 anos de idade, prestou à PIDE/DGS, depois de ter sido preso no âmbito da sua actividade clandestina nacionalista, integrado nas células do MPLA.
O mérito desta oferta acaba por ser do Loló Kiambata que há uns anos esteve na Torre do Tombo em Lisboa a pesquisar os arquivos da secreta fascista. Tive a oportunidade depois de ler parte dos documentos que ele recolheu dessa pesquisa, sendo um deles o auto de declarações de VPA.
Nesse documento VPA, muito corajosamente para a época, confessou-se diante do "pidesco" que o interrogou, um partidário da independência de Angola, apesar de negar qualquer militância partidária.
Foram jovens como VPA que nos anos 60 lutaram contra o colonialismo português, tendo pago com pesadas penas de prisão e desterro, a sua ousadia, a sua coragem.
Muitos destes jovens, na Angola independente com que sonharam e lutaram, acabaram depois por ser marginalizados,ostracizados e mortos pelos seus próprios camaradas da clandestinidade.
A eles também devemos em grande parte a liberdade conquistada em Novembro de 1975.
Estes jovens estão hoje com 60 anos, numa altura em que os desafios políticos do país são outros, tendo, contudo, por pano de fundo um clima que não é, certamente, aquele com que VPA, algures no seu Marçal, sonhou quando militava a favor da independência nacional.
Depois da paz alcançada em 2002, VPA foi o primeiro a assumir publicamente a intenção de se candidatar à Presidencia da República, como independente.
Com a nova constituição partidocrática, que impede ostensivamente os cidadãos de se candidatarem de forma independente à mais alta magistratura do país, o seu projecto vai certamente conhecer uma reavaliação.
Com 60 anos no pêlo, VPA está aí e continua disponível para servir o país.
Vamos, estou certo, ter notícias dele e do seu projecto inicial, apesar da muralha constitucional que acaba de ser erguida ao serviço exclusivo da estratégia política do maioritário relacionada com a abordagem do pós-eduardismo.
A VPA só podemos desejar neste dobrar de mais uma década de vida, muitos parabéns e muita força para continuar a ser uma das referências mais interessantes e profícuas da nossa vida política e intelectual.
Este país, em nome da qualidade da nossa imberbe democracia, carece urgentemente de muitos mais VPAs.