Wladimir Brito é cabo-verdiano e é professor de direito. É apontado como sendo o pai da primeira constituição democrática do arquipélago.
João Melo é angolano e é professor de jornalismo. É membro da Comissão da AN que elaborou a nova carta magna do país.
Os dois esgrimiram esta semana nas colunas do SA os seus argumentos sobre a qualidade da primeira Constituição da Républica de Angola.
(...)
"O sistema de governo definido na Constituição tem semelhanças com o modelo parlamentar, pois o chefe do executivo é o cabeça de lista do partido mais votado nas eleições legislativas. A diferença é que, no caso angolano, esse chefe do executivo será igualmente presidente da República, como nos regimes presidenciais. Daí a designação do sistema: presidencialista-parlamentar. Trata-se, podemos dizê-lo, de um sistema híbrido. Ora, se nos regimes parlamentares o chefe do executivo é eleito na mesma lista que os deputados e isso não constitui uma violação do princípio de separação de poderes, como acusar o modelo angolano de fazê-lo? De igual modo, o facto deste último possuir igualmente uma componente presidencialista não significa que haja violação desse princípio. Com efeito, os sistemas de base presidencial são caracterizados pela separação de poderes e pelo controlo recíproco entre os órgãos Executivo e Legislativo. Contrariamente ao que se pensa quando se pretende avaliar um sistema de governo a partir da denominação, o sistema presidencial não é desequilibrado a favor do Presidente da República. O sistema previsto no projecto de Constituição angolana salvaguarda expressa e devidamente o equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo."
João Melo
"(…) esse regime traduz-se num sistema constitucional presidencialista, com uma forte concentração de poderes no PR eleito, constitucionalmente consagrada, na inexistência de controlo do PR pelos demais órgãos do poder e da sua responsabilização perante os órgãos de soberania. Trata-se de um sistema em que não há constitucionalmente uma ditadura, mas em que a prática constitucional assegura ao PR o exercício autoritário do poder, por não ter de prestar conta a nenhum órgão de soberania e por ter um controlo sobre os demais. Numa palavra, um sistema em que o PR é eleito por um mandato bem definido, mas exerce os amplos poderes que lhe são conferidos pela Constituição sem um controlo efectivo pelos demais poderes e em que não é responsável perante nenhum outro poder.
Nesses regimes, por vezes, a consagração da democracia e dos direitos fundamentais é transformada pela prática político-constitucional autoritária em pura semântica."
Wladimir Brito
"(...) Não tenhamos dúvidas: esta Constituição é, sobretudo, para a
época pós-José Eduardo, a qual, mais ano, menos ano, é inevitável. Portanto, não sejamos igualmente ingénuos. Nessa perspectiva, era imperioso adoptar uma Constituição que salvaguardasse, à partida, a estabilidade institucional do país, uma vez que qualquer outro presidente que vier a suceder-lhe não terá a força, o carisma e o poder que ele soube conquistar ao longo do seu consulado. Assegurar, necessariamente, a coincidência entre o presidente da República e a maioria parlamentar (qualquer que ela seja) é uma medida fundamental para isso. Quer dizer, a Constituição é um fato à medida, sim, mas da futura estabilidade do país."
João Melo
"(…) o PR não é responsável perante a AN, nem perante nenhum outro órgão, de soberania, o que coloca nas suas mãos o poder de decidir da subsistência de todos os órgãos de soberania, incluindo os Tribunais, pois, cabendo-lhe designar os Juízes do TC e do Supremo, que são aqueles Tribunais – veja-se as alíneas f) a j do artigo 119.º - que têm de apreciar os seus actos, acaba por ter um total controlo sobre todos os órgãos de soberania. O sistema de designação do PR é, portanto, anormal, aberrante e ofensivo do princípio da separação e interdependência dos poderes, o da igualdade de participação política e nada tem a ver com o sistema sul-africano ou com qualquer outro sistema presidencialista."
Wladimir Brito