terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

As discordâncias de um voto vencido (2)

2- A separação e interdependência dos órgãos de soberania (alínea f) do artigo 159º). A alteração, na nova Constituição, na forma de eleição do Presidente da República, que passa a ser eleito conjuntamente com a lista, pelo circulo nacional, do partido político ou coligação de partidos mais votado no quadro das eleições gerais, conforme o artigo 142º e seguintes, coloca o problema de se saber qual o seu estatuto nestas condições: tem ou não o estatuto de deputado? A nova Constituição nada refere sobre o assunto e muito menos se pode aferir se dessa disposição se conclui que um candidato se pode candidatar simultaneamente a dois cargos de soberania. Trata-se, no entanto, de questões importantes para a análise da separação de poderes entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional 2.1-Embora reconheça o facto de existir hoje em todo mundo uma mistura nas funções de cada órgão de soberania, por isso também em Angola, considero, no entanto, que a separação de poderes impõe-se em obediência também ao princípio republicano, que não sendo um limite explícito do artigo 159º, porém está implícito na caracterização do estado democrático de direito, princípio consagrado na alínea c) do artigo 159º. Nesta conformidade não estou de acordo com o Acórdão por não atender ao facto de nas competências do Presidente da República (artigos 119º a 123º) prever-se uma forte concentração de poderes que se estendem aos poderes executivos, legislativos e judicial. Desde logo, deve-se atender ao conceito de separação de poderes. A este respeito é de referir que a separação de poderes tanto pode ser tomada como doutrina, assim como um princípio constitucional. A separação de poderes enquanto doutrina tem como objectivo fundamental a limitação do poder político. Como princípio constitucional é um meio por via do qual se dá o equilíbrio entre órgãos de soberania portadores de legitimidade para assegurar os pesos e contrapesos “checks and balances” do sistema de governação. Considero que o aumento significativo dos poderes do Presidente da República na nova Constituição (que lhe permite entrar na competência dos poderes da Assembleia Nacional, nem mesmo os limites constantes do n.º 3 do artigo 126º atenuam esse facto) desequilibra o sistema de pesos e contrapesos do sistema de governação: tira-se da Assembleia Nacional para se reforçar os poderes do Presidente da República. Este desequilíbrio afecta o cerne daquilo que constitui a separação de poderes, quer na sua acepção doutrinal, quer enquanto princípio constitucional. E neste particular é importante referir que é preciso considerar a hipótese da legitimidade do Presidente da República caso o partido ou coligação de partidos a que está vinculado não obtenha maioria absoluta de votos. Neste caso haverá uma efectiva diminuição da legitimidade do Presidente da República que, pode hipoteticamente, ser eleito, por uma maioria simples inferior à maioria de votos dados à oposição. Resultando daqui uma conclusão lógica em que a forte concentração de poderes reais previstos para o Presidente da República seja incompatível com a eventual debilidade de legitimação do Presidente da República. 2.2- Entendo ainda que a nova Constituição ao atribuir competência para a nomeação de uma parte de Juízes à semelhança do que já acontecia na Lei Constitucional, na actual situação viola o princípio de separação de poderes. É preciso ter em conta que na Constituição de 1992, o Presidente tem poderes moderadores, o que não acontece na nova Constituição em que é o poder executivo e assim sendo não deve ter competências próprias de uma entidade independente. Considero nesta conformidade que há violação nos artigos 119º alínea f), alínea a) do n.º 3 do artigo 180º, n.º 2 do artigo 181º, n.º 2 do artigo 182º e n.º 2 do artigo 183º da Constituição. De todos estes casos, o mais flagrante é o facto do Presidente da República ter poderes discricionários para a nomeação de Juízes do Tribunal Supremo Militar, art.º 182º da nova Constituição, e o caso dos juízes do Tribunal de Contas em que os juízes são nomeados pelo Presidente da República (artigo 183º). O Tribunal de Contas é um órgão a quem compete fiscalizar as contas públicas, que são feitas principalmente pelos Ministérios e empresas públicas. Se o Presidente da República (poder executivo) tem poder para nomear os titulares deste órgão, há uma violação ao princípio da separação de poderes na sua vertente independência dos tribunais.