Aqui vão eles, renovados, para 2010.
Estava a pensar com os meus botões qual seria o conteúdo ideal para preencher os meus votos do novo ano (que já estamos com ele) com que habitualmente costumo brindar os que me são mais próximos, numa cerimónia quase secreta que tem lugar algures na minha casa.
Só não é completamente secreta porque a presença da imprensa é autorizada pelo próprio, que acaba por fazer a cobertura de si mesmo, numa original e estranha intervenção jornalística que não está prevista em nenhum manual da especialidade.
Se quisermos é o chamado jornalismo surrealista, que tem como principal fonte inspiradora a histórica entrevista com um carapau já moribundo feita no prato, pelo “pantagruélico” João Serra, que o Jornal de Angola deu à estampa há cerca de 20 anos.
Uma data gloriosa para os cultores deste tipo de jornalismo, com que, naqueles anos de chumbo se ia contornando a apertada vigilância ideológica do Kremlin e da Direcção de Operações.
Como resultado da já referida conversa mantida com os meus botões, cheguei a conclusão que para engalanar os meus votos de ano novo próspero num país chamado Angola, com uma longa e contumaz tradição de má gestão da coisa pública, com todo o seu cortejo de grandes e pequenos desvios de fundos dos vários OGEs existentes (1), para conhecidos mas não comprovados bolsos, o melhor seria fazer um apelo sincero à contenção.
Apenas isto.
Nada de grandes exigências.
Sincero e realista.
Modéstia à parte, mas somos já conhecedores profundos da movediça realidade nacional, das suas limitações e sobretudo do feitio mal-humorado e por vezes violento dos seus principais protagonistas, alguns dos quais optaram claramente há já bastante tempo pela teoria dos dois discursos.
Uma teoria que tem no terreno da política o seu principal campo de ensaio, com resultados muito animadores para os seus defensores.
O apelo tem como principais e únicos destinatários todos aqueles que têm a responsabilidade de gerir o erário público, aos vários níveis, do topo à base, dos vários OGEs e de todos os sacos azuis, vermelhos, verdes e pretos que integram o arco-íris da nossa desgraçada existência.
Que em 2004 se roube menos é o conteúdo deste apelo sincero subscrito por alguém que está convencido que uma tal economia de recursos se apresenta com um potencial de soluções muito grande, na luta contra a escandalosa pobreza que humilha, desespera e faz sofrer tremendamente cerca de metade da nossa população. A outra anda pelos caídos.
“Mais do que da tão falada falta de fundos, a reconstrução nacional e o desenvolvimento de Angola dependem da forma racional e transparente como os recursos sejam utilizados”.
A esta “iluminada” conclusão, pensamos que pelo Espirito Santo, chegou recentemente a IIª Semana Social Nacional, promovida pela Igreja Católica.
Um acontecimento que sintomaticamente “brilhou” por outro lado, com a ausência de representantes do poder, a tal ponto que mereceu das suas conclusões a seguinte observação:
“Foi notória a ausência nesta II Semana Social dos organismos do Estado convidados, bem como a insistência dos participantes sobre a necessidade dos órgãos do Estado, como primeiros responsáveis e promotores do bem-comum nacional, se fazerem representar em eventos desta natureza e assumirem, sem rodeios falaciosos e repetidos, as suas responsabilidades e uma atitude de diálogo com os cidadãos”.
Mas voltemos ao nosso apelo à contenção, para destacarmos que na sua base está um preocupante cálculo de probabilidades, elaborado por uma ainda desconhecida instituição de pesquisa social que pretende no futuro ser uma credível alternativa não-governamental ao Instituto Nacional de Estatística (INE).
Não é que desconfiemos das contas do INE (calma Flávio!) , mas bem lhe fazia falta um concorrente, numa área muito especializada, que produz por vezes argumentos aparentemente sólidos e imbatíveis em defesa de certas estratégias governamentais que se vêm a revelar posteriormente pouco consistentes. O país sairia certamente a ganhar com esta salutar concorrência.
De acordo com o “nosso” calculo, mais de metade dos dinheiros públicos acaba por não servir os nobres propósitos oficiais para que foram aprovados.
E não serve, porque fica nos bolsos de terceiros, através dos mais diversos e sinuosos processos de descaminho, desvio, roubo descarado, e por aí adiante...
Desde as brutais sobrefacturações às escandalosas comissões, é vasta a panóplia de agressivos instrumentos que os gestores da coisa pública deste país têm à disposição da sua sôfrega e insaciável apetência pelo enriquecimento ilícito e rápido.
O mais rápido possível, não vá o diabo tecê-las.
Estamos a falar do fantasma da exoneração.
Compreende-se deste modo que uma redução nos montantes desviados seria por si só, um precioso investimento na luta contra a pobreza.
Compreende-se assim que a observância de uma contenção nesta área gastronómica traria imensos benefícios ao desenvolvimento do país e muito particularmente às barrigas esfomeadas das nossas crianças .
Que se roube menos em 2004 são os nossos mais sinceros votos para o Ano Novo, numa altura em que a paz consolidada, se apresenta como uma nova e construtiva conselheira para todos aqueles que têm medo do futuro deste país.
Um medo que acaba por estar de algum modo na origem desta desenfreada corrida aos cofres públicos.
Conscientes de que não é possível pôr cobro a este assalto a cem por cento, já não seria mau que os nossos “alibábás” se comprometessem a ser um pouco mais “patriotas”, quando tivessem que operar no território dos dinheiros públicos.
Um compromisso que tem de ser feito por cada um, em sã consciência, pensando seriamente nos grandes desafios que o país tem pela frente em 2004.
É de facto um compromisso nacional urgente, com que o país precisa de contar em 2004.
Como vêm não é pedir muito.
Se cada um reduzir em 50% a parte do bolo que habitualmente desvia para o seu proveito próprio, o resultado desta poupança será efectivamente muito animador.
Vamos tentar?
Vamos sim senhora, com a preciosa ajuda do Tribunal de Contas que já deu alguns sinais encorajadores de querer entrar a sério nesta campanha de poupança.
Querer desde já crucificar esta instituição no seu todo, por eventuais erros que a sua juventude esteja a cometer é que não nos parece nada certo.
Os erros corrigem-se.
Não existe nenhuma alternativa ao TC. Ou melhor existe, que é aquela que estamos com ela, ou que estávamos, até antes do Kota Julião do Kubaza ter assumido as rédeas do tão aguardado tribunal, que já se revelou ser uma espinha atravessada na garganta de muitos gestores públicos.